Um conto sobre a amizade - Jornal Fato
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Um conto sobre a amizade


Eram meninos, muitos deles espremidos em bancos de reservas. Aflitos, pensativos no jogo, na possível escalação, no passe errado, no quase gol. O treinador, de costas, acena, grita, reclama com seus titulares. Chama um garoto à beira do campo, dá instruções ao pé do ouvido, manda ficar na sua posição. Tem pressa, o sol da tarde começa a incomodar a garotada. Com o apito em riste comanda jogadas e sentimentos, dos de dentro e de fora de campo.

 

Na reserva, aqueles que estão sendo experimentados. Sentados, com o corpo inclinado para a frente e mãos postas como que quase em oração, tentam controlar o pensamento antiesportivo: "Será, meu Deus, que é pecado torcer para que meu amigo esteja num dia ruim e, por não poder discordar do treinador, ter que substituí-lo e, assim, poder mostrar meu potencial? Dizer, não com palavras, mas com dribles e arrancadas perfeitos, que sou o ideal para aquela posição?" Nessa hora o espírito de equipe era facilmente esquecido, quando, então, o técnico paralisava o jogo para substituição de um jogador cansado ou sentindo dores. Todos queriam entrar em campo, indistintamente. O coração bate forte quando se é ou não escolhido. E se não for, bate aquela inevitável comparação com o outro que já entrou no gramado feliz da vida. "Por que não eu?"

 

Os meninos aprendem cedo a se enfrentar em campo, a estudar o adversário em seus pontos fortes e fracos. São treinados para jogadas individuais e coletivas, para o voo solo e em equipe e a não desperdiçarem oportunidades. Porque no futebol e na vida, elas são únicas. Começa com um simples aceno do treinador, pedindo que o jogador se apresente em campo como um recruta. O resto é com ele. Será, na maioria das vezes, parceiro com os da equipe e implacável com o adversário. Mas não deixará de brilhar sozinho, se assim o jogo exigir.

 

Três a dois no placar para os titulares. Os meninos do banco esperam sua vez de entrar, mas se esgota o tempo do treino. Cansados, vão todos para o vestiário, já esquecidos de suas diferenças em campo, do embate pela vitória, do aplauso e elogios do treinador e dos colegas. Amanhã é outro dia, novo treino e quem sabe a chance de entrar e virar titular. É apenas um treino, diriam os menos entendedores. Não para os meninos, aprendizes da bola, dos rituais de passagem. Coisa que só se aprende conhecendo regras de futebol, não as da federação, mas aquelas que a maioria aprendeu jogando pelada com os amigos. Regras que valem para quase tudo nessa vida.

 


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