Rio Itapemirim - Jornal Fato
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Rio Itapemirim


 

 

Nada sei sobre deuses. Por mais que procure conhecer, menos entendo. Procuro a mitologia, as várias crenças de povos antigos, as muitas civilizações da humanidade e a filosofia grega e romana, coisas do oriente e ocidente, ainda assim, permaneço na ignorância. Este mundo é estranho, tudo pode acontecer, ou não acontecer. Sendo assim, desejo viver num mundo mais amplo, num tipo mais futurístico de mundo. Ser mais tolerante - um ponto de vista poético é verdade, bem mais agradável que o mundo atual e racional.

Apesar de nada saber, e entender, sobre os deuses, acredito em suas manifestações. Gosto de admirar suas realizações. Busco, com atenção, as coisas da natureza, certamente são as coisas divinas. Transcendentais. Fogem à nossa compreensão. São os mistérios da nossa existência. Onde força, beleza e delicadeza se encontram e nos encantam. O rio é uma delas. Quando caminho em torno do Itapemirim e vejo suas águas, ouço o som da sua correnteza, observo suas rochas parcialmente descobertas em seu leito, ou admiro os pássaros sobrevoando esta imensidão, sinto Deus. Acho que Deus iniciou o mundo com as águas do rio, quero crer que foram as águas do Itapemirim.

Comparo o rio ao mar. Não deveria, pois as coisas da natureza não são comparáveis. Manifestam-se isoladamente. Mas prefiro o rio devido suas águas doces e sua mansidão. Embora humano, e sujeito a erros, tenho minhas preferências. Acho que "Ele", ao término do rio Itapemirim, conversou com os aborígenes e viu o futuro dos rios, o quanto seriam maltratados e muitos deles morreriam pelas mãos dos seres humanos, por isso, ele derramou lágrimas e salgou suas águas. Ainda assim, o mar, conservou a beleza e o poder divino. Uma beleza toda própria, ainda que não supere a beleza do rio. Ele conservou a força de suas ondulações e de suas brumas nasceu Vênus, em uma concha, a deusa da beleza, festejada pelos gregos, pelas flores e a primavera.

Apesar de festejar o mar, ter nascido e crescido junto a um "braço de mar", aproveitado em criança e adolescência das suas águas salobras, em dias atuais prefiro o rio, em especial o rio Itapemirim. É o rio do meu dia a dia, do meu caminhar, do meu pensar. O rio me leva a pensar no tempo. No tempo passado e presente e que fará meu tempo futuro.

Ao lado do Itapemirim penso no meu princípio. Nas suas águas avalio o tempo vivido. Com o passar das águas, fim e princípio se confundem. Nas águas do Itapemirim é sempre possível recomeçar, mesmo quando se atinge um aparente final - quando as águas doces encontram o mar. Nas suas águas é sempre possível recomeçar.

Nos fins de semana, começo a caminhada na Ponte de Ferro, no centro de Cachoeiro, ela convive há anos com o rio. Termino na Ilha da Luz. Uma caminhada curta comparada a extensão do rio, são poucos passos pela calçada, em mente, no pensamento, escorre uma vida passada, pelo rio amadurece meu futuro. Os passos, assim como as águas, vão se modificando. Um eterno princípio e fim. A cada passo somos diferentes; as águas do rio, também. Nunca saberemos quem realmente somos se não olharmos, e escutarmos, os mistérios das águas do nosso rio.

 

Sergio Damião Santana Moraes


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