Quero Voltar, Para Ver Funcionando - Jornal Fato
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Quero Voltar, Para Ver Funcionando


 

Em janeiro de 1971, o cronista Rubem Braga escreveu carta pessoal ao amigo de infância Gil Gonçalves, o grande colecionador das fotos históricas de Cachoeiro. Na carta, que reproduzo inteira nesta página, cuja cópia tenho, entre outros comentários, Rubem traz pontuação atual.

 

Diz Rubem, no trecho capital, que em Cachoeiro haveria "projeto aprovado de compra de nossa casa, para nela se fazer um museu municipal, ou coisa parecida".  E complementa: - "Eu, naturalmente, vejo isso com a maior simpatia; o problema está no dinheiro para reformar a casa e manter o museu".

 

De lá para cá, 44 anos, muita coisa rolou em volta da Casa dos Braga. Ficou abandonada, foi recuperada mais de uma vez, recebeu visita do Ministro Celso Furtado, foi sede da Biblioteca Walter dos Santos Paiva, enfim, maltratada por vezes foi, durante anos, órgão difusor da cultura, dos mais importantes da cidade.

 

Ao lado disso, roubaram o relógio que pertenceu ao primeiro prefeito da cidade, Cel. Francisco Braga, patriarca dos Braga. Noutro tempo, águas invadiram o porão da casa, águas que levaram cerca de 10.000 livros da biblioteca, em contagem até hoje não divulgada e em circunstâncias de falta de acompanhamento da subida das águas do Rio Itapemirim, também não explicadas devida ou indevidamente.

 

Mas, nada obstante a dor das coisas que passaram, restaram memórias dos tempos bons da família Braga e foi em busca dessas memórias e tempos bons, que a Praça da Poesia (nome que se deu ao quintal da casa) se encheu, na quinta-feira que passou, nem só de Bragas - amados Bragas - mas de amigos deles e de políticos, todos irmanados em projeto de futuro. O SINCADES assumiu a obra - vai recuperar a Casa e entregá-la à cidade, tal qual fora à época em que o Cel. Chico Braga reinava.

 

Vivas, pois, a essa notícia, a esse momento maiúsculo da cultura de Cachoeiro. E viva o afastamento de um dos impedimentos que Rubem apontara, na carta que mencionei, para a transformação da Casa em Museu, ou nome que o valha: O problema da falta de dinheiro para reformar a casa já não mais existe. Por vias de recursos captados, o SINCADES assumiu a obra, contratou empresa do ramo e vai pagar a conta. Que bom!

 

Mas Rubem Braga era pessoa que enxergava longe. Não basta tão só reformar a casa ou, como se diz no linguajar técnico, "restaurar" a casa. Vencida uma etapa - e foi vencida, hoje - resta outra; dinheiro para manter o Museu. Sim, explica o velho Braga, não basta reformar, é preciso manter o Museu e lhe dar vida. E os tempos de ontem, como os hoje - hoje principalmente - não são favoráveis à Cultura e ao culto à História.

Daí que ouvi - que bom que ouvi - de um(a) do(a)s componentes da caravana estadual que, nos próximos cinco meses, portanto antes dos sete para findar as obras, a Secretaria
Estadual de Cultura, com a prefeitura local, irá construir com a sociedade, projeto para funcionamento permanente do Museu - ou o nome que tenha. Tendo o SINCADES e o Estado assumido suas partes, também os atores culturais locais e a prefeitura de Cachoeiro deverão assumir as suas, para que - ao contrário das outras reformas da Casa dos Braga - esse restauro de agora esteja sintonizado muito mais do que com a movimentação de cimento; esteja sintonizada, de verdade, com a propagação da Cultura e da História.

 

Creio que isso ficou muito evidenciado nas palavras finais do Governador Paulo Hartung. Assumindo sua origem na Grande Cachoeiro - ele nasceu em Guaçui - disse textualmente o Governador: - "Quero voltar a Cachoeiro para ver a Casa dos Braga funcionando".

Assim seja, Governador!

 

De Rubem Braga para Gil Gonçalves

Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1971

Caro Gil: Estou há muito para lhe escrever agradecendo o quadro com a fotografia lá de casa que você me mandou. Confesso que fiquei muito comovido com o presente, e já o pendurei em minha salinha de jantar. Eu tinha, antes, uma fotografia igual àquela, até maior, mas sem cores; mas foi destruída pela água, quando houve uma infiltração aqui em meu apartamento. Fico-lhe gratíssimo pelo presente.

Creio que houve ai, na Câmara Municipal, um projeto aprovado de compra de nossa casa, para nela se fazer um museu municipal, ou coisa parecida.

Eu, naturalmente, vejo isso com a maior simpatia; o problema está no dinheiro para reformar a casa e manter o museu. De minha parte eu teria prazer em dar coisas que pudessem interessar, como objetos de meu pai e de Newton, meu retrato feito pelo Portinari, etc... Creio que todas as famílias antigas teriam prazer em dar recordações. Vi um museu desses em Paranaguá, com velhas fotos, móveis, etc....que era uma beleza.

O nosso museu devia, aliás, abarcar todo o sul do Estado, pois o município abrangia praticamente todo ele. Enfim, você que está aí é que pode avaliar as possibilidades de tudo isso, com o novo prefeito, que não conheço. Em janeiro do ano passado conheci ligeiramente o que vai ser Governador, e dele tive excelente impressão.

Bem, velho Gil, um grande abraço para você e os seus. A qualquer momento aparecerei por ai. Saudades do Rubem.

 


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