Orgulho da ignorância - Jornal Fato
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Orgulho da ignorância


 

No texto "À beira do abismo", que publiquei no Fato em 05 de setembro, mencionei de passagem o orgulho da ignorância como uma das características desses tempos sombrios. Pois esta semana tive a satisfação de ver a espetacular Eliane Brum concentrar-se nessa questão, no artigo "Parabéns, atingimos a burrice máxima. Comentando as reações à questão do Enem sobre a famosa frase de Simone de Beauvoir ("Uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher"), Eliane diz: "Aderir é viver. Esta parece ser a frase deste momento de orgulho da ignorância e exaltação da burrice". 

Eliane fez um texto primoroso, chamando a atenção para o grave prejuízo que causam à sociedade aqueles que se vangloriam de não saber, os ignorantes que não se constrangem em opinar sobre o que nunca viram, os que se orgulham de seu total desconhecimento sobre tudo que não caiba dentro das palavras do apresentador do jornal na televisão, do pastor ou do patrão endinheirado.

O fato é que estamos mesmo na era do "não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe".  Ler pra quê? Questionar, dialogar pra quê? Compartilhar ideias, debater pra quê? Melhor sair por aí repetindo frases feitas, achando que o mundo deve ser visto apenas de uma maneira. Os outros podem pensar por mim, é mais fácil e mais seguro, essa coisa de questionar costuma ser perigosa, podem até achar que sou comunista (isso que eu não sei bem o que significa, mas já me disseram que é coisa do diabo). 

Tenho a sensação de que estamos voltando à inquisição: vamos queimar os livros e as bruxas, banir das universidades o ensino de tudo que não esteja na Bíblia. Os ateus e adeptos de outras religiões, filósofos, cientistas, o resto do mundo irá para a fogueira. E, enquanto o nosso valoroso congresso fundamentalista não aprova uma lei neste sentido, os discordantes vão sendo queimados no fogo do inferno ou no baixo calão dos comentários das redes sociais. Eliane Brum nos diz, em seu artigo, que somente o pensamento pode enfrentar a burrice. Mas tenho minhas dúvidas, porque a única esperteza da burrice é aliar-se ao mau-caratismo. E, aí, ninguém sabe aonde podemos chegar.

(Como o assunto continua em voga, não custa nada desenhar: o que disse Simone de Beauvoir, lá nos anos 50, com a diabólica frase "uma mulher não nasce mulher, torna-se mulher" é na verdade algo muito simples: as mulheres não são biologicamente inferiores ao homem. Elas nascem iguais a eles, tão capazes quanto eles. Mas, ao longo da vida, elas vão se transformando naquilo que a sociedade diz que uma mulher deve ser, isto é, o sexo frágil ou "segundo sexo",  a mocinha nascida para procriar, cozinhar e obedecer aos machos até a morte. Só isso). 


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