O canto dos pássaros - Jornal Fato
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O canto dos pássaros


 

Sou uma pessoa tranquila, até romântica, e, embora me considere bem urbana, aprecio paisagens bucólicas e o contato com a natureza, mas vamos ser sinceros: não vejo graça alguma em acordar com o canto dos pássaros.  Primeiro porque as aves não ficam por ali, quietinhas sob sua janela, esperando que você abra os olhos, para que então possam alegrar sua vida com suaves gorjeios matinais. Não. Elas gorjeiam vigorosamente quando bem querem, e então, justo por este motivo, você acorda. E segundo porque isso costuma acontecer às cinco horas da manhã, mesmo quando você pode se levantar às sete, nove ou onze horas.

 

Minha conturbada relação com os pássaros vem de longa data, desde a adolescência. Naquela época ainda não grassava (ou desgraçava?) o comportamento politicamente correto na sociedade brasileira, e confesso que mais de uma vez taquei pedra em bem-te-vis, galos e até bacuraus que ousavam prejudicar meu sono. Mas hoje não tenho mais coragem de agir assim. Não porque tenha me tornado um ser humano melhor e mais tolerante. O que me impede é tão somente o medo de ser flagrada por alguma câmera indiscreta, e, até explicar que "não, não queria de fato atingi-los, muito menos matá-los, somente espantá-los", já teria sido execrada nas redes sociais, multada, presa, exilada e talvez apedrejada - dente por dente, olho por olho.

 

Enfim, detesto pássaros que cantam antes das nove da manhã. Aliás, detesto qualquer barulho antes das nove da manhã. Aliás, também detesto qualquer barulho depois das nove da manhã. Os pais que deixam as crianças jogarem futebol dentro de apartamentos deviam levar cartão vermelho do condomínio. Vizinhos que tocam música na maior altura também. Donos de cachorros que latem de madrugada e não estão nem aí deviam ser privados do convívio com os bichos, e estes encaminhados para alguém mais zeloso de seu bem-estar - porque, é claro, um cachorro que late durante duas ou três horas seguidas está incomodado com alguma coisa. Aliás, animais, quando estão bem, ficam em silêncio na maior parte do tempo. Menos os passarinhos, claro.

 

Tudo isso é para dizer que, assim como nada podemos fazer contra os pássaros, que levam a vida a sassaricar e gorjear em nossos ouvidos desde a mais tenra manhã, também nada podemos fazer contra quem fere a tal lei do silêncio com outros sons menos nobres. Aliás, nem sei se há mesmo lei do silêncio nos municípios brasileiros, porque, nas poucas vezes em que resolvi apelar para as polícias locais, nada foi feito, e senti um leve enfado nos atendentes do outro lado da linha, tipo: "tanto assalto e assassinato acontecendo por aí e essa mulher vem incomodar a gente por causa de um barulhinho à toa?".

 

Então, vamos levando a vida, ao som de funks, serrarias, makitas, alto-falantes, fogos e tantos outros produzidos por essa brava gente que adora incomodar o vizinho. E é claro que, sendo assim, sou obrigada a reconhecer: disso tudo, prefiro o canto dos pássaros.

 

 

 

 

 

 


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