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CONEXÃO MANSUR


 

Crônica de Desesperança

 

Cabe acreditar que em alguma cidade do País, ou do mundo, alguém guarde com muito cuidado, ainda que não de forma tecnicamente adequada, imensa quantidade (milhares) de jornais - exemplares únicos - desde 1928, considerando, ainda, que esse jornal foi fundado por membros de uma das famílias de maior tradição na região?

 

Cabe acreditar, ainda, que essa família - como se não bastasse - deu-nos, entre tantos outros personagens do passado e contemporâneos, um filho de que deu identidade à cidade e outro que é considerado o melhor cronista do País, não só de hoje, mas desde quando a crônica é crônica?

 

É claro que o nobre leitor já sabe do que e de quem estou falando. Falo de Cachoeiro, cidade; falo de Paulo Henrique Thiengo, o guardador; falo dos Braga, a família; falo de Newton Braga, o homem que deu face à cidade e falo de Rubem Braga, o maior e mais sensível cronista brasileiro de todos os tempos.

 

Qualquer que fosse a cidade, no Brasil ou no mundo, que tivesse essa preciosidade - pois são nesses exemplares do CORREIO DO SUL que estão as primeiras crônicas e poesias de Rubem e de Newton Braga - qualquer que fosse a cidade -, essas raridades preciosas seriam objeto de proteção pública e, certamente, de romarias, estudos, homenagens, aleluias, vez que não é pouca coisa.

 

Tudo isso para que eu possa dizer que esse bem aconteceria em qualquer cidade, menos em Cachoeiro, que só não perdeu, ainda, tantos exemplares sagrados do Correio do Sul, graças ao trabalho diligente, penoso e não remunerado do Thiengo, vez que, dependesse do Poder Público - todos eles, quaisquer deles - esses impressos já teriam ido para o lixo há uns - vamos dizer - 10, 20 ou 30 anos.

 

E isso sem contar a impressora original do Correio do Sul que, sabem quem guarda? Sim, ele mesmo, Paulo Henrique Thiengo.

 

Agora, já desesperançado de tudo (alguns, quase todos nós já teríamos entregue os pontos há muito mais tempo), parece que Thiengo desistiu definitivamente. Se não tiver gente nessa cidade, gente que queira preservar o nosso maior patrimônio histórico-cultural, ele se dispõe a doar definitivamente todo o CORREIO DO SUL ao Arquivo Público do Espírito Santo, lá na Capital, que, aliás, merece ser visitado.

 

Ele, Thiengo, também está entregando para outros lugares todo o seu único e importante acervo ferroviário e, se a coisa fica no que está - feia e ridícula como está -, vamos (porque aqui eu entro, também) transferir a impressora do Correio do Sul para o Arquivo Público do Espírito Santo, em Vitória, que, repito, merece ser visitado.

 

O que é pena, mas é o melhor a ser feito, salvo se alguém tiver peito de defender e assumir o contrário.

 

Livres Livros está chegando

 

 

Conforme anunciei em nota aqui nesta minha página, a Livres Livros, experiência vitoriosa na distribuição de livros para aqueles que não podem adquiri-los, está chegando a Cachoeiro. Que ela terá leitores, não tenho dúvida alguma. A estante é aberta e cada pessoa, criança, jovem e adulto pode apanhar o livro gratuitamente, na hora do dia ou da noite, na hora que quiser.

 

Mas toda a experiência de sucesso tem uma contrapartida. A contrapartida nossa, que temos livros em casa, muitas vezes já lidos e que podem ser passados para a frente é, justamente, passar esses livros para os responsáveis pela Livres Livros.

 

Breve serão indicados os locais de coleta. Enquanto isso, quem quiser fazer suas doações, é só entrar em contato comigo (e-mail: [email protected]) e vamos juntos.

 

Só tem uma condição mínima - livros em bom estado. Vejam as instruções no cartaz desta página.

 

Eu Nem Sei Disso

 

Christian Silva

 

"Num lugar onde não se pode ver nada, e pode-se também ver de um tudo, o destoante ocorreu. Neste dia calmo e silencioso, como em anos costumeiros, o tempo não se fazia adivinhar o inesperado. Todo o sítio percebia que aquela família dentro de casa tremia. Os filhos brincavam nas várias partes do quintal, à mercê de sua sina pré-escrita. Como os antigos dizem: 'Dias de muita coisa, vésperas de coisa nenhuma...'.

 

A mulher se queixava com o marido por não ter vestido novo para a missa de domingo; o marido retrucava trabalhar feito um burro velho para pôr comida na mesa todo o dia. Um bezerro novo tinham sumido, assim quase todos os ovos das galinhas haviam gourado. O menino que era o caçula andava 'baquiado por lombriga', dizia a mãe. Antes do entardecer, a mulher já tinha deixado as crianças na casa da mãe, e ela também já se dirigia pra lá. Não ia ficar onde não lhe queriam bem. Fez uma trouxa com as poucas e gastas roupas, juntou as xícaras de porcelana bordada, que havia ganhado de presente de casamento de sua mãe e saiu estrada afora, calçando um par de chinelos velhos, mas munida por decisão.

 

Já bem longe de casa encontra a comadre, também recém-divorciada e de trouxas nos ombros:

 

- Ei, cumadre! Cumé que vai ocê? E as criança?

 

-Ah, cumadre, eis já tão tudo na casa de minha mãe...e vô eu pra lá, tamém... Já tô cansada daquele home que só judeia deu e das criança...

 

- Coitada docês, cumadre... Mas é bem que a mãe dizia... As veiz o diabo fica im pé no canto do terrero, rino e pulando, vendo nóis se lascar...

 

-Verdade, cumadre. Isso é memo coisa do diabo...!, disse a mulher de nariz e lábios retorcidos em troça.

 

Na capoeira percebia-se um estranho vento a correr e fazer um barulho sem fim. E em meio àquele barulho estranhamente ensurdecedor, se fez ouvir uma voz de homem, trovejante e abafada ao mesmo tempo: -... EU NEM SEI DISSO... Aquele som do vento poderia tranquilamente ser confundido com o barulho da porcelana embrulhada se quebrando ao bater no chão de terra da estrada..."

 

(Christian Silva é o pseudônimo de um ótimo escritor iniciante. De Guarapari, desde bebê mora em Cachoeiro. Tem 18 anos e estudou o Ensino Médio em Colégio Público).


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