Ah, esses Quixotes ... - Jornal Fato
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Ah, esses Quixotes ...


 

Não, claro que não! Não falo desses quixotes minúsculos que andam por aí, vangloriando-se defensores de causas perdidas, colocando placas na fachada de suas casas ou comércio, batendo no peito: "Aqui mora um quixote" ou "quixote & Cia." Não, claro que não é deles que falo. Deles não há o que falar.

Falo é dos Quixotes realmente Quixotes e que não sabem que são Quixotes. Daqueles que descobriram que "os moinhos são reais". Dos que enfrentam moinhos de peito aberto, sem medo deles e de suas pás. Dos que recebem na fronte o impacto das pesadas hélices, dos que sucumbem, quase indo ao chão, dos que a cada queda se levantam, dos que se reanimam na missão do combater o que entendem ser errado e contra o que pregam, dos que quase sempre estão certos, dos que sabem que melhor é que fosse outro o caminho, estrada.

Às vezes parecem desistir. Às vezes choram, às vezes se recolhem por um, por dois ou por mais meses, até mais. Quem os conhece, no entanto, sabe que Quixotes verdadeiros são Fênix de verdade, que se levantam do chão e das cinzas e novamente alçam vôo, vôo sempre liberto dos interesses, presos a ideais marcantes.

Falo de um Quixote cachoeirense. Falo de Paulo Henrique Thiengo. Engenheiro sim, comerciante também. E muito mais que isso, Quixote de verdade, de armadura, lança e sentimentos.

Dá gosto vê-lo mostrar suas milhares de fotografias do trem de ferro, das antigas estações, das locomotivas de então, dos velhos traçados ferroviários, dos novos traçados que gostaria ver percorrer o centro da cidade de Cachoeiro, substituindo o caminho do asfalto, dos pneus.

Às vezes, inúmeras vezes, tem sido esmagado pelo peso do desinteresse na sua obra imaginosa. Foi assim que o vi, da última vez, vergado pelo chicote da impossibilidade a lhe fustigar o lombo. Triste e sozinho. É quando cai. E quando cai, volve-se inteiro, retorna às suas maquetes, à linha férrea em miniatura que arma e constrói em Vargem Alta.

Quer porque quer transformar seus sonhos em realidade que facilite a vida dos conterrâneos. Mostra que sonhos são a matéria-prima da realidade. Que realidade é só fruto dos sonhos. Ninguém enxerga. Ninguém lhe dá ouvidos. Ninguém lhe repercute.

Não sabe que é Quixote (Quixotes de verdade não acreditam em histórias de Quixote), mas sabe que suas esperanças se esgotam e é desse esgotamento prematuro que adquire novas forças para alçar mais alturas.

Deus protege visionários, Fênix, Quixotes. Seríamos pequenos em demasia não existissem eles a reavivar sonhos, cinzas, chão, a combater os moinhos de verdade. Paulo Henrique Thiengo é todos eles, protegido de Deus.

(Palavras minhas, de hoje, 22/01/2006: Essa crônica tem algo mais do que 20 anos de publicada. Passadas décadas, nada mudou, inclusive Paulo Henrique Thiengo e seus sonhos de Quixote. E essa homenagem lhe presto, aqui, no momento em que se "comemoram" os 7 anos da queda de São Vicente, distrito de Cachoeiro, dizimado por chuvas torrenciais em 22 de janeiro de 2009.

Passado tanto tempo, o distrito continua desassistido, seus moradores - quase todos - desmotivados e Cachoeiro segue a sina de pobreza moral, intelectual, turística, rural e tudo o mais que forem palavras bonitas em português, infelizmente tão só palavras bonitas, sem consequência prática).

 

São Vicente - Proposições de Médio e Longo Prazo

José Waldi de Almeida, Fabiana Ramos Dias Caçador e Alberto Estevão M. Silva

1 - Elaborar e implementar programa de educação ambiental voltado principalmente para o reflorestamento de encostas, margens de córregos (mata ciliar) e topos de morro, bem como adotar prática de manejo sustentável dos solos comprometidos pelas culturas agrícolas.

2 - Elaborar e implementar projeto de recuperação de áreas degradadas, voltado para o reflorestamento, de encostas, topo de morros, margem de córregos e de buracos formados pela erosão, a ser acompanhado por profissional legalmente habilitado.

3 - Elaborar e implementar projeto paisagístico, com o objetivo de minimizar o impacto visual ocorrido.

4 - Priorizar, para implementação das culturas agrícolas, áreas de baixa declividade e isentas de processos erosivos, onde não haja necessidade de supressão de vegetação nativa e não estejam localizadas em quaisquer Áreas de Preservação permanente.

5 - Abolir a prática de plantar café ou outras culturas em encostas com declividade superior a 45º (na linha de maior declive), em distância inferior a 30 metros dos cursos hídricos e a 50 metros das nascentes, bem como no topo de morros e montanhas (em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura mínima de elevação em relação à base), por serem consideradas de Preservação Permanente, conforme estabelecido na Resolução CONAMA 303/2002.

6 - Se o plantio do café for realizado em encosta com declividade inferior à retromencionada, o topo do morro deverá estar preservado e incrementado com cobertura vegetal, e o plantio recomendado será executado em curvas de nível, reduzindo significativamente a perda de solo.

(Daqui em diante, o texto é de Higner Mansur. José Waldi de Almeida, Fabiana Ramos Dias Caçador e Alberto Estevão M. Silva, são profissionais engenheiros da melhor qualidade. As conclusões que transcrevo deles, ai em cima, retirei-as, todas, do "Diagnóstico Ambiental do Córrego São Vicente" deles, a partir de levantamento que fizeram no distrito de São Vicente, município de Cachoeiro de Itapemirim. O diagnóstico é datado de 26 de fevereiro de 2009, portanto pouco mais de mês após o desastre que se abateu sobre aquela comunidade, em 22 de janeiro daquele ano, arrazando-a.

Nada obstante a ótima qualidade, tanto das proposições, como do diagnóstico de 34 substanciosas páginas, nesses quase seis anos de publicação (apenas interna), nunca vi nenhuma divulgação sobre a implementação das medidas muito bem indicadas por esses ótimos profissionais.

Da minha parte, macaco velho em política, ainda que sempre aprendendo, nunca vi governo - todos eles, qualquer um - deixar de trombetear as maravilhas que fizeram. Se o atual governo tivesse implementado as proposições técnicas indicadas, com certeza ele - governo - teria feito a maior festa, soltando foguetes e publicações na imprensa. Como nada disso foi feito, reservo, para mim, a certeza da dúvida e da incredulidade. Enfim, continua sofrendo São Vicente, em parte pelo silencio dos moradores de lá, ao menos a maioria).

 

 

 


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