A nossa lama - Jornal Fato
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A nossa lama


 

 

Em outubro de 2011, no texto "Além da Fachada", falei sobre as megaindústrias que aderem ao marketing da sustentabilidade, fazendo parecer que estão realmente preocupadas com o meio ambiente, quando, na realidade, a prática é outra. Na época, antes de escrever a crítica, visitei alguns sites, entre eles o da Samarco, empresa que acaba de arruinar o Rio Doce e parte do litoral brasileiro com o despejo de toneladas de rejeito mineral.  Hoje, o site deles é praticamente um relatório do que vem sendo feito (?) para tratar as consequências da tragédia. Mas até então era um lindo paraíso verde, com música inspiradora e belas fotos de lagoas, rios e florestas - e nada que lembrasse buracos, escavações e barragens, enfim, a realidade da atividade mineradora da empresa.

 

Hoje, depois da lama derramada, nós, brasileiros, que já éramos todos médicos, jornalistas e políticos éticos, nos tornamos também ambientalistas de primeira linha, preocupadíssimos com a Samarco, a Vale e a situação do Rio Doce. No entanto, continuamos a ignorar o que ocorre no nosso quintal. Esta semana, no artigo intitulado "Nosso Itapemirim", o médico Sérgio Damião puxa nossa orelha:  "O que acontece no norte capixaba serve de alerta para nós. O nosso rio (...) também agoniza", diz ele.  E imagino que em todo o Brasil a situação seja a mesma.

 

Em Cachoeiro, devíamos ter, ainda, outra preocupação. Em entrevista divulgada neste último final de semana, o Secretário de Estado do Meio Ambiente frisou que não temos barragens de minério no Espírito Santo, como se isso nos livrasse de todo mal, amém. Mas a verdade é que temos aqui uma importante atividade mineradora, a indústria de rochas ornamentais, gerando grande quantidade de resíduos, com destaque para a lama abrasiva, que pode atingir altos níveis de toxicidade e periculosidade, inclusive com a presença de muitos dos componentes detectados na lama da Samarco.

 

Pelo pouquíssimo que sei, há empresas de Cachoeiro que armazenam esses resíduos em células estocadas em armazéns ou embaixo da terra. Onde ficam? Como isso é feito? Até quando terão a capacidade de receber mais lama? A capacidade e a segurança desse sistema têm prazo de validade? Nossas águas subterrâneas estão protegidas? Quem não usa este sistema faz o que com sua lama? Não sei, e acho que pouquíssimos cachoeirenses recebem alguma informação sobre isso.

 

O que vejo, aqui também, é a indústria falar em respeito ao meio ambiente e à legislação, e volta e meia alguém lembrar que é preciso desenvolver alternativas para que os resíduos possam ser adequadamente introduzidos em outras cadeias produtivas, porque a  perspectiva é que sejam produzidas cada vez mais e mais toneladas de rejeitos.  Mas a quem cabe essa tarefa, às empresas ou ao Governo?  Talvez seja bom começarmos a pensar nisso, antes que a nossa lama também protagonize uma grande tragédia ambiental. 

 


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