Nada de anormal, coração - Jornal Fato
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Nada de anormal, coração

Escrevo perto das dez horas, para compor estripulias que, depois são convertidas em memórias


- Foto Reprodução Web

Talvez uma andorinha só não faça verão, mas bastam dois moleques no campinho de terra para se fazer um domingo de primavera. De repente, um deles dá - literalmente - bola fora. Do alambrado. Beleza. Os dois brincantes ainda têm o domingo inteiro (escrevo perto das dez horas) para compor estripulias que, depois de convertidas em memórias, hão de norteá-los, adultos.

 

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Não é novidade que uma das bases de minha pretensão de literatura - exitosa, quase nunca; hesitante, quase sempre - é o nosso cancioneiro popular. 

Nesse não-sentido, tenho a boba mania de, conforme a conveniência do desejo, alterar versos de músicas que me falem alto à alma. É o caso, mais recente, de "Aconteceu você", de Guilherme Arantes, na voz de Farfalhar de Belém. A certa altura da letra, substituí "doce raio de sol" (antes da linha "tomou conta do meu quintal") por "doce sonho real". É que a poesia já me provou que toda quimera bem-cultivada floresce, sim, no jardim.  

Nada de anormal, coração.

 

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Bem que alguém de boa-fé (admito minha ingenuidade em tal crença) poderia avisar àquele distinto senhor que seu perfume tem aroma de edredom mal-ajambrado na cama, desses que, umedecidos de suor por noites a fio, secam-se apenas à luz que adentra o quarto, no dia posterior, pela fresta do blecaute.

 

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Do mesmo modo que fraseados harmônicos mais imprevisíveis - sobretudo os de Earth, Wind & Fire ou de Lincoln Olivetti e Robson Jorge - não passam batidos por meu apetite sentimentoscauditivo, melodias não escapam ao instinto caçador de nosso sereslep Jiló. Numa tarde deste outubro, ele tentou abocanhar a toada que, segundo os mais antigos, anuncia que amanhã terá sol.

 

Um episódio inédito, para mim, de briga de gato e cigarra. Sem vencedor, de cara. O amanhã, contudo, alvoreceu nublado.

 

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Pessoas que, quando conversam sobre amenidades, entremeiam suas falas com gargalhadinhas completamente desprovidas de humor (e, não raro, suas pautas variam do reajuste no preço da abobrinha à última visita ao proctologista) - o que é a vida, afinal, para elas?

 

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Meu velho já me dizia:

"O mau nó eu bem desato,

desconheço a covardia,

lealdade sou de fato".

 

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"Beltrano está pensando em Deus - está pensando no amor", proferiu-me um amigo que tem por hálito evocar toda a sorte de tinhosos. Também pudera. O inferno é, em igual dimensão, o próprio céu de sua boca. 

 


Felipe Bezerra Jornalista

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