Dr. João de Deus Madureira Filho - Jornal Fato
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Dr. João de Deus Madureira Filho

Os anos iniciais da década de 1970 ainda não tinham chegado quando conheci o Dr. João de Deus Madureira Filho


- Ilustração: Zé Ricardo

Acho que o conheci em redor de 1968, nos anos mais difíceis do governo militar, quando ele nos deu aulas na Faculdade de Direito de Cachoeiro, aulas de... Medicina Legal (e eu confesso, aqui e agora, que não me lembro de nada ou quase nada do que aprendi - de medicina - naquele tempo - mas me diverti muito nas aulas).

Em compensação, por essa mesma época, eu e alguns estudantes com idade entre 17 e 22 anos, o conhecemos bastante, aprendemos bastante e muito bastante mesmo, a partir de conversas do início da noite a caminho da madrugada, sentados, nós todos, e o Dr. João Madureira também, nos bancos simples da Praça Jerônimo Monteiro, bancos que não existem mais e, talvez, conversas que também não mais existam por ali.

Adentrávamos às madrugadas, conversando política sim, mas muito mais, muito mais mesmo, dialogando sobre coisas da humanidade; matérias e experiências que Dr. João Madureira ia-nos proporcionando, repassando-nos, com muita alegria e muita experiência - tudo aquilo que ele trazia desde a década de 1920, quando com os ainda jovens amigos seus, Rubem Braga, Newton Braga e Ary Garcia Roza, dentre outros, fora aprendendo. Aprendendo tudo no caminho certo, caminho que a sociedade precisa trilhar, sem roubos, sem excesso, sem covardia.

A amizade foi crescendo e Dr. João Madureira não tinha e nem forçava limites para ela, tanto que, quando vimos, estávamos alguns de nós jovens, dentro da casa dele - na Praça Jerônimo Monteiro -, não sei se só de dia, se só de noite, se de dia e noite, atravessando madrugadas.

O que me lembro bem é que as lições do grande mestre João Madureira, passadas com muito firmeza, simplicidade e carinho, foram se acumulando em nós - cabeça e coração -, ao ponto de as termos guardadas - eu e os demais amigos - para a vida inteira. Pra mim, lições e guardas comparáveis às que Newton Meirelles, Deusdidth Baptista, Nelson Sylvan e Gil Gonçalves me deixaram. Meirelles, Deusdedith e Sylvan, à esquerda e à direita, na política honesta; Gil, na preservação fotográfica da memória cachoeirense e Dr. João Madureira, no sentido prático de cuidar da natureza e do bem-estar da cidade, sem abuso, mas sem leniência.

E, claro, além de tudo isso, o lauto café que nos era servido diariamente, sem que pedíssemos, sempre preparado por D. Jandira. Bebíamos tudo e, em determinado momento, cevados de cultura, de sabedoria e do bom café, partíamos para casa, alegres e felizes.

50 anos se passaram desde essas histórias aí de cima, histórias que nos honraram e nos conduziram pelo caminho do conhecimento, exceto - o que é muito lamentável - o atual desconhecimento das novas gerações, do que foi a presença do Dr. João Madureira entre nós e na cidade. Essa memória se perdeu - ou quase - na linha do tempo das novas gerações.

É homenagem que presto a esse grande homem, cujo nome grafo em letras maiúsculas - JOÃO DE DEUS MADUREIRA FILHO.

Muito obrigado Dr. João Madureira. A geração que te ouviu não perdeu suas lições, ainda que tenha sido derrotada aqui e ali, mas não deixamos nunca de repassar tais lições e caráter para os mais jovens.

 

 

João Madureira Falou (1972)

(As frases abaixo foram retiradas da revista cachoeirense CORIFAS, edição da Festa de Cachoeiro - 1972, portanto a caminho de meio-século de publicação. Fazem parte de entrevista que Dr. João Madureira deu ao jornalista Bruno Torres Paraíso. Que eu conheça, é único repositório das histórias do Dr. João Madureira, ditas por ele mesmo).

- Eu nunca esperei nada do passado. Sempre espero qualquer coisa do presente e do futuro. O passado apenas nos dá os métodos de analogia e comparação.

- Muitos dos professores que vinham para aqui não passavam de bedéis contratados em Niterói para lecionar em Cachoeiro. Eu era um menino com muita sede de aprender e não podia me conformar com isso.

- O médico Bricio de Moraes Mesquita: - com sua ajuda completei a minha formação de médico. Era um homem muito simples e acho que, até hoje, Cachoeiro ainda não lhe fez justiça.

- Eu sempre vi a necessidade de socialização da medicina que, num país como o nosso, não pode se dar ao luxo de ser curativa. Tem de ser preventiva.

- Sou feliz porque nunca me senti sozinho.

- Quem tem amigos - e eu tenho sem conta - de menos de 15 anos de idade, nunca pode se sentir sozinho. Eu acho que isso quer dizer alguma coisa.

- Eu sempre tive a liberdade por princípio, por meio e por fim.

- Sempre respeitei o jovem e depositei nele uma crença ilimitada.

- Quem não acredita no jovem não acredita no futuro.

- Acho terrível fazer qualquer coisa que não se queira fazer.

- Um jovem só pode fazer um trabalho construtivo num ambiente de respeito e de liberdade.

- A linguagem, a cultura, as técnicas e aprimoramento, a gente faz isso é no cotidiano.

- Aprender devia ser uma atividade lúdica.

- A ação professoral se exerce no tempo e no espaço e não na hora presente.

- A Ecologia já era uma preocupação quando eu defendi minha tese, e foi um dos pontos que eu abordei.

- Conhecer Geografia é respeitar a Terra, o homem e a fatalidade astronômica de nós estarmos diante do Sol. O homem não pode habitar a Terra sem respeitá-la. É o fundamento da ecologia.

- Eu não fui nenhum profeta. Apenas conhecia a minha ciência.

- Você me perguntou por que eu não entrei para a política. Porque é uma atividade irracional.

- Se o homem usa a Terra bem, ele vai encontrar felicidade. Se usa mal, vai pagar um alto preço pela depredação. Então a Ecologia é uma ciência atual.

 

 

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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