Assembleia sai mal da reeleição antecipada - Jornal Fato
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Assembleia sai mal da reeleição antecipada

A celeuma fez lembrar os piores momentos de desmandos na Assembleia Legislativa. Dias que pareciam já superados


- Foto: Tati Belling/Ales

Em política normalmente é chamado de águia aquele personagem que, assim como o animal, tem visão muito apurada e é, por isso, capaz de enxergar o que outros só vão ver depois. O político-águia normalmente usa essa habilidade para fazer prevalecer em seus interesses e articulações, sem muitas preocupações éticas ou morais.

Entretanto, quando esperteza vai além do que é legal, mais cedo ou mais tarde elas são atingidas em pleno voo. É o parece ter acontecido com a surpreendente reeleição, com mais de um ano de antecedência, do presidente da Assembleia Legislativa, Erick Musso e seus aliados para a mesa diretora da Assembleia Legislativa.

Erik já fazia voos tão altos e nem percebeu que a resistência da corrente contrária. Foi insustentável. O resultado: uma semana depois teve que desfazer a jogada. Renunciaram. Ficou feio.

A pressão da Ordem dos Advogados do Brasil capixaba (OAB-ES) que acionou a Justiça Federal foi a parte mais visível da reação que também deve ter se desenrolado nos bastidores.

Além do controle da Assembleia, há, no imbróglio, interesses eleitorais. A própria carta de renúncia cita movimentos nas sombras visando as eleições de 2020 (em Vitória supõe-se). Mas há quem enxergue, como as águias, objetivos ainda mais distantes, como a eleição estadual de 2022. Não é segredo que o atual presidente do Legislativo quer ser governador.  

O presidente da OAB-ES, José Carlos Rizk Filho, classificou como bizarra a manobra que permitiu a eleição da mesa diretora mais de um ano antes do início do mandato. Ele protocolou, terça (3), na Justiça Federal do Espírito Santo, ação civil pública para suspender a emenda constitucional 113, que permitia a antecipação. Erik teria três dias para se explicar. A renúncia coletiva dos integrantes da futura mesa diretora veio logo depois.

Para quem não acompanhou toda a confusão, em apenas dois dias, foi aprovada proposta de emenda constitucional, que autorizava a antecipação do pleito, e realizada a eleição em que o atual presidente foi reconduzido para uma gestão que só começaria daqui a quase 400 dias.

A tal antecipação impediria de votar os suplentes que possam assumir vaga na Casa em 2021, com a eventual eleição de deputados para prefeituras no ano que vem. Ou seja, quando o segundo mandato de Erik começasse, boa parte de seu eleitorado de agora poderia sequer estar na Assembleia.

Uma das reações mais fortes foi a do deputado estadual Sergio Majeski (PSB), no mesmo dia da eleição. Apenas ele e outros quatro deputados votaram contra a manobra. "Estaria jogando minha biografia no lixo se votasse sim em uma armação tão sórdida, tão rasteira, tão pequena, tão antidemocrática quanto essa. É um dia triste, é um dia lamentável, é um dia de luto para esta Casa. Como se pode apequenar uma casa, um poder desta estatura dessa forma", destacou ao anunciar o voto contrário a chapa única, encabeçada pelo atual presidente da Ales. 

A celeuma fez lembrar os piores momentos de desmandos na Assembleia Legislativa. Dias que pareciam já superados. E a renúncia mostra que até mesmo no jogo político deve haver regras. Nenhum poder pode ser absoluto. Nenhum interesse político pode suplantar a democracia.


Wagner Santos Diretor e editor Jornalista

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