O templo

13/10/2015 00:00

 

Ensimesmada ao pé da cama, salmodiava as insistentes orações: se Deus carne habitasse meu peito, dizia, seria uma mulher mais amável. Sentia fel na boca e a língua provocava estalos desses que parecem vocábulos. Sua alma cheirando a fé lacrimejava a insensatez de um mundo resistente de gente que se deforma para caber nos vasilhames. As pessoas estão barateando as gargalhadas e os choros de utopia. Seus pedidos de espírito deixavam sua voz mais frouxa e seu coração um pouco firme. Uma rigidez plantada para que respire o mundo. Para que consiga desejar eventos banais. E saiba melodias de frases achadas. Ela não acreditava nas sentenças de efeito, nem tão pouco problematizava promessas. Seus encontros com os elos imaginários e com suas aparecências traziam para o canto de si mesma um hemisfério mítico, de santos e humanos, de certezas refugiadas nos cantos bíblicos. Na ausência de carnes, devolvia seu espírito aos sermões do seu templo, do contorno do corpo que armazenava o sopro da vida.   

Simone Lacerda é professora.

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