Terminalidade da vida - Jornal Fato
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Terminalidade da vida

Viver significa flutuar sabiamente na vulnerabilidade


A essência do cuidar é buscar a compaixão - sentido de se colocar no lugar do outro; contribuir para que ele conquiste a autonomia, sugerir que transfira a ansiedade e a responsabilidade de sua saúde aos profissionais que o atendem. Cuidar de alguém é buscar seu bem estar. Viver significa flutuar sabiamente na vulnerabilidade.  Vulnerabilidade leva o ser humano a adoecer e possibilita a grandeza de cuidar e a humildade de se deixar cuidar. A escritora americana Susan Sontag escreveu: "A enfermidade é o lado obscuro da vida, uma cidadania mais cara. A todos, ao nascer, outorgar-nos uma dupla cidadania, a do reino dos sãos e a do reino dos enfermos. E ainda que prefiramos usar o passaporte bom, cedo ou tarde cada um de nós se vê obrigado a identificar-se pelo menos por um tempo como cidadão daquele outro lugar." Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento humano, torna-se um radar de alta sensibilidade. O professor de Ética da Pensilvânia, James Drane, afirma: "Devido os avanços tecnológicos da medicina, o conceito de paciente terminal vai se modificando com o tempo. É bastante difícil fazer uma avaliação precisa e universalizar uma definição aceitável a respeito desses pacientes, considerando-se que os indivíduos contam com tantas possibilidades diferentes... Apesar das dificuldades e de ninguém saber com a absoluta certeza quando outra pessoa está morrendo, apesar disso, existem critérios para determinar pacientes terminais. James alerta os médicos que não há necessidade de entender a morte como inimiga." Aprender a diagnosticar com correção a progressão do processo de morte pode ajudar o paciente a ter uma partida digna.  Humanizar o atendimento significa considerar aspectos emocionais e espirituais.

Fabiola, minha esposa, médica pediatra, é Coordenadora do Núcleo Feminino da Unimed Sul Capixaba, realizam ações sociais relevantes em Cachoeiro e cidades vizinhas. Ações como a identificação de crianças do ensino fundamental com déficit visual e aquisição de óculos, bem como perucas para mulheres em tratamento oncológico. Para isso o Núcleo Feminino realiza bazar com venda de roupas usadas. No último fim de semana visitamos um casal de idosos conhecidos de longa data. A velha senhora se dispôs a doar camisas do marido para o próximo bazar, a ser realizado na primeira semana de julho, no Shopping Cachoeiro. Ela apresenta-se com mais de oitenta anos e ele completou noventa recentemente. Ela, com esquecimento frequente. Por conta da falta de memória, mudou postura. Mais alegre, falante... Acaba sendo divertida. Ele mantém total lucidez, mas fisicamente abatido, dificuldade enorme para movimentar-se. Se pudessem ser um ser único, ele seria a cabeça e ela o restante do corpo. Fabiola recebeu as camisas doadas. No momento da doação, a velha senhora lembrou-se e disse: Não restou nem uma camisa de manga comprida! Perguntou: E se ele morrer? O que vai vestir? Não tenho nada para aquecê-lo, completou. Eu estava bem perto, sentado ao lado do velho senhor. Ficamos em silêncio por um breve instante. Logo, rimos todos: Eu, Fabiola e o casal de idosos.

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Sergio Damião Médico e cronista

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