Tarde chuvosa

Tempos atrás, desci o morro do Gilberto Machado em direção à beira do rio Itapemirim

01/06/2021 08:10
Tarde chuvosa

Tempos atrás, desci o morro do Gilberto Machado em direção à beira do rio Itapemirim. Era um fim de tarde, final de semana diferente em Cachoeiro de Itapemirim, o sol se ausentava do nosso céu e nuvens escuras tomavam seu lugar. O horizonte, sem o sol, encontrava-se melancólico. Tão logo alcancei a Ponte de Ferro, no centro da cidade, uma chuva fina se apresentou. Pensei em retornar ao apartamento ou um abrigo qualquer. Avistei a cobertura do ponto de ônibus logo à frente, e após breve hesitação, resolvi prosseguir. Continuei a caminhada e mantive o passo junto ao leito do rio. Ele, o rio, nos leva a isso, seguir em frente, é o seu destino, sua sina, não nos deixa recuar. Segui em direção contrária, segui em direção à Ilha da Luz; ele, em direção ao mar. Após alguns metros, as gotas das águas que desciam das nuvens intensificaram-se, encharcando meu corpo, preenchiam meus olhos, turvavam minha visão como lágrimas em momentos de êxtases. Era um dia após o de São Pedro, e acho que ele, por eu não ter permanecido na cidade, me testava. Apesar da intempérie, procurei me concentrar nas águas do rio. Fixei meus olhos nas coisas do seu leito e margens.

Na calçada da beira do Itapemirim apresentavam-se poucos transeuntes, naquela tarde poucos se aventuravam. A chuva afastava as pessoas. Eu, ao longe, tinha como companhia a garça e o mergulhão. Destacavam-se, no centro do rio, as penas esbranquiçadas da garça, contrastavam com o negro do mergulhão e o verde das águas. As gotas fortes da chuva modificavam a cor das águas do nosso rio. Apesar da determinação nos passos, não era o que esperava para o fim de tarde do sábado, procurara o lazer, encontrei o frio. No corpo, as roupas molhadas; na mente, as dúvidas; perguntas diversas de uma vida toda - passado e presente. Buscava respostas nas águas da chuva que se encontrava com as do rio modificado. Permaneço como antes, sem as respostas. Caminhei com a chuva, não sabia dizer sobre o momento diferente; aumentava a velocidade dos passos (ora aproveitava as gotas das águas; ora pensava em fugir). A chuva, diferente do sol, nos faz sair da inércia quando incomoda de imediato, muda temperatura do corpo e altera emoções. Mas: era aquela chuva; outras chuvas, em um lugar distante de Cachoeiro, não tiveram o mesmo efeito. Cachoeiro me leva a pensar. Talvez, pela presença das coisas conhecidas à minha volta ou pela intimidade com as águas do seu rio. Enquanto pensava, a chuva acariciava minha face, meu corpo, preenchia o leito do rio e gradativamente emoldurava o Itapemirim. No domingo, bem cedo, o frescor do sol, sua claridade e luminosidade, se apresentaram no céu de Cachoeiro. O rio mais encachoeirado, límpido, com ruídos fortes e sons inebriantes, festejava os seus pescadores. Ele exibia a brancura das garças e os mergulhões garantiam a pureza das suas águas. Voltei aos passos pela calçada, carregava as dúvidas do dia anterior. No domingo de tempos atrás, e no último final de semana, em meio à pandemia, no retorno de São Paulo, com a mente carregada de saudades do neto Bernardo, apenas apreciei o nosso rio e deixei as respostas para uma próxima chuva.

 

Sergio Damião Sant'Anna Moraes