Santiago

Anos atrás visitei Santiago de Campostela, cidade ao norte da Espanha, criada em homenagem ao apóstolo Tiago

23/02/2021 08:14
Santiago

Anos atrás visitei Santiago de Campostela, cidade ao norte da Espanha, criada em homenagem ao apóstolo Tiago. Segundo a lenda, no local onde foi construida a Ca tedral e a cidade foi encontrado o corpo, séculos após sua morte, do santo evangelizador. Uma cidade mística com muitas trilhas em seu caminho. Caminhei pouco, na verdade, fiz o percurso de Madri à Santiago de ônibus. Mesmo assim, recebi o certificado de peregrino de Campostela. Na ocasião me chamou a atenção e impressionou foi o momento final da missa com os peregrinos do mundo inteiro. Vi uma cortina de fumaça, proveniente de um Bota-fumeiro, ocupando toda cúpula da igreja, uma leve neblina e uma transcendência quase possível. O cineasta João Moreira Salles, em documentário, ouve e mostra a história daquele que serviu sua família por vários anos. A história de Santiago, seu mordomo, mistura-se com sua história e da casa transformada em museu. A conversa foi gravada anos atrás. Com essa mostra, ele afirmava ser seu último trabalho. Não soube explicar o significado das lembranças, não se importava em interpretá-las, deixava a tarefa para o público. Penso que a memória serve para nos mostrar os fragmentos da intimidade. E com isso ensinamos o que sabemos e aprendemos o que nos falta. Talvez, a filmagem, seja isso: juntar os fragmentos, pedaços da nossa existência e conhecimento.

Conheci, tempos depois, Santiago, capital do Chile. Cidade sempre em franca expansão e desenvolvimento. Guarda um ar pacato, acolhedor e inocente. Os montes brancos, cobertos de neve, que formam a Cordilheira dos Andes e contornam toda parte principal da cidade; a catedral de arquitetura ousada e interior deslumbrante com as cores variadas de seus mármores despertam das lembranças os fragmentos necessários para o prazer da vida. A cordilheira se estende por milhares de quilômetros, da Venezuela até a Patagônia da Argentina e Chile, mas é na capital chilena que ela se mostra mais enigmática. Também em nossas pedras (Itabira, Frade e a Freira, Pedra da Penha), envolvendo o vale de Cachoeiro de Itapemirim, fixam da memória, as lembranças e reminiscências, tanto quanto as cobertas de neve dos Andes e parecem se juntar às pedras dos náufragos de Neruda. Em nossas incertezas, inseguranças, timidez e temores temos nesses picos o nosso pouso. Sua frieza quebra-se com os nossos pensamentos. É o que sentimos no vale de Cachoeiro, nas cordilheiras ou nas pedras da Ilha Negra de Pablo Neruda. Eu não sei você, mas quando viajo carrego em mim a apreensão, o medo da perda das coisas da vida, das pedras que deixamos, mais ainda nesses tempos de pandemia. Medo de adoecer longe das coisas e pessoas em que nos habituamos. Mas, a busca do novo nos empurra, mesmo sabendo que as coisas que ficam no presente e aquelas do passado foram as que nos marcaram. Tão logo voltamos, e se constata que as coisas continuam como sempre, um tempo não mudado, com o futuro a ser construído, desmancha-se o medo e nos leva a pensar em partir novamente. No ir, partir e voltar vamos chegando ao fim. Até sermos esquecidos por muitos.

 

Sergio Damião Santana Moraes