Panacéia

Um retrato sobre as particularidades de Cachoeiro

27/04/2022 08:46
Panacéia /Foto Divulgação/PMCI

Em Cachoeiro, cidade com seus duzentos mil habitantes, porte médio em uma escala qualquer, referência para o sul do Estado capixaba na saúde, educação e outros serviços. Capital nacional da crônica, por conta de Rubem Braga, lembrada em música e letra de Raul Sampaio, o qual se tornou hino do município e cantado por um rei.  Mesmo com tudo isso, ainda vemos no meio da cidade aquilo que lembramos de uma cidade pequena: um vendedor anunciando um produto que será a panacéia de doença física e mental. Os gregos anunciavam também. Em sua mitologia apresentavam Esculápio (Deus da medicina) com suas filhas: Higéia, Deusa da prevenção da doença, e Panacéia, a diva para todos os males. Com a evolução, imaginavam o melhor: o equilíbrio entre a prevenção e a cura. É o que se pensou para o Sistema Único de Saúde na Constituição Brasileira de 1988.

Curioso que o vendedor fica ao centro de uma pequena multidão crédula e atenta. No meio do círculo uma garrafa com algum tipo de erva é exibida, e pronto, vendida a preço modesto. Quem compra acredita, e muitas vezes, sente-se melhor. A cura psicológica do mal físico aparente existe. Dia desses uma cena me intrigou. Acho que fica por conta da crença do fim da pandemia do coronavírus ou pela liberação da obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes ao ar livre. Com a lentidão do trânsito, com tempo maior dentro do carro, observei alguns rapazes, quatro para ser exato. Uma caixa de som com alto falante e um microfone com fio. Dos quatro, três possuíam bíblia, dois vestidos com terno, bem elegantes. O que falava, dava a entender que era um convidado de última hora, pela maneira esportiva que se encontrava. Com o vidro fechado do carro e a música interior, não ouvia. Porém, fiquei impressionado com a maneira que gesticulava e com a alegria exibida. Com a face sorridente acreditava falar para uma multidão. Transeuntes, pela maneira que caminhavam, davam a entender que não estavam interessados. Ele não se deixava abater. Continuava com sorriso aberto. Logo em seguida ofereceu o microfone aos que possuíam as bíblias. A transferência foi empolgante, um forte abraço entre os quatro, lembrava uma entrega de troféu, uma vitória do Flamengo, uma conquista pessoal ou em uma competição. Não sei o que se passava na mente dos quatro jovens, só sei que, o que vi, é bem melhor do que vejo com os dependentes químicos em hospital psiquiátrico.

Antes de dar partida no carro, com o verde do sinal luminoso, observei um pouco mais e pensei de onde poderia vir tanta alegria e paz aparentada na face dos jovens. A minha racionalidade, naquele momento, não atribuiu à fé. Acreditar em algo, não foi o que pensei de imediato. Faltava explicação e lógica.

O resto do dia passei no hospital. Senti saudade da alegria e paz demonstrada pelos jovens. A simplicidade da transferência do microfone me fez pensar que era apenas isso, nada mais. As coisas racionais que falei e fiz no restante do dia não me satisfizeram. Talvez fosse melhor que as coisas acontecessem assim. Simples assim.