O olhar da garça

Em uma das margens do nosso rio: uma garça. Não aparentava fraqueza. Pelo contrário. Sobre uma pequena pedra demonstrava equilíbrio e certa altivez

02/07/2024 10:19
O olhar da garça /Foto Reprodução Web

O sol encontrava-se intenso no céu de poucas nuvens. O rio Itapemirim corria serelepe pelo centro da cidade, moldando, junto com o Itabira, o vale cachoeirense. Eu, encontrava-me próximo à Ponte de Ferro, admirava a beleza do dia, do céu e das águas do rio. Apesar da beleza que sentia, observando melhor, o rio encontrava-se levemente diferente. Suas águas corriam entre pedras em um volume menor. Em sua correnteza fraca, o som se ouvia em menor intensidade, resultado da falta de chuvas vespertinas. Em uma das margens do nosso rio: uma garça. Não aparentava fraqueza. Pelo contrário. Sobre uma pequena pedra demonstrava equilíbrio e certa altivez. Com seu bico elevado: imponência (apesar de certa fragilidade ao primeiro olhar, ou melhor, no olhar das lembranças). Sobre as Garças, Manoel de Barros, poeta do Pantanal, escreveu: ?Penso que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. Há uma sombra de dor em seus voos./ Sobre a dor dessa ave há uma outra versão, que eu sei. É  a de não ser ela uma ave canora. Pois que só grasna ? como quem rasga uma palavra./ De cantos portanto não é que se faz a beleza desses pássaros. Mas de cores e movimentos. Lembram Modigliani. Produzem no céu iluminuras. E propõem esculturas no ar. / A Elegância e o Branco devem muito às garças./ Chegam de onde a beleza nasceu?/... (Acho que estou querendo ver coisas demais nestas garças. Insinuando contrastes ? ou conciliações? ? entre o puro e o impuro etc. etc. Não estarei impregnando de peste humana esses passarinhos? Que Deus os livre!).? É... Estava diferente. Não era assim que a via em meus dias de caminhadas ao longo do rio. A garça da minha memória: trançava alegremente o leito do rio. O voo, e a cor branca de sua plumagem, era o que lembrava. Recusava a imagem. Assim como recusamos o novo; o diferente. Mais me aproximava; mais me parecia estranha. Não na forma (a cor branca, o bico fino, pescoço comprido, pernas longas...). E, sim, na maneira que me olhava... Agia diferente de todas as outras que continuavam a sobrevoar o rio Itapemirim (o voo da garça que aprendera a gostar e admirar). Ela me fazia pensar, me incomodava. Incomodava como incomoda aqueles que nos questionam; os que querem respostas para coisas que fazemos; maneiras que agimos ou escolhas que realizamos.

De repente, sem um motivo aparente, sem um ruído mais intenso, nem mesmo um levantar de voz, braços e pernas, assim como um adeus, mudanças dos olhos, algo que a fizesse mudar comportamento, sem que eu manifestasse as minhas impressões. Como se eu tivesse indiferente à sua presença, como se não me importasse com que ela sentia, mesmo com olhar insistente em sua direção. A garça, ignorando meus sentimentos, levantou as asas, em movimentos ágeis, e alguns segundos depois alcançava altura. Juntou-se às outras aves que se encontravam em margem oposta a mim. Uma escolha. Mostrava-se livre para as próprias decisões. Bem mais livre que eu. Não parecia preocupada com a escolha. Voava simplesmente. De onde me encontrava, observei seu voo e fiquei como no primeiro instante que a vi: sem saber a razão. Um vazio. Uma sensação...  Lembrei-me do seu olhar para o entorno do rio (persistência de leito sujo; águas e peixes diminuindo...). Pensei... Seria essa a explicação? Mas... E o restante do olhar?