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Imaginação

No ano passado, 2020, por conta da pandemia do SARS-CoV2 (Covid-19), fiquei receoso para viagens, mais ainda de avião, e me afastei dele por meses


Em 17 de fevereiro, estava no aniversário do meu neto Bernardo. Completou três anos de vida na capital paulista. No ano passado, 2020, por conta da pandemia do SARS-CoV2 (Covid-19), fiquei receoso para viagens, mais ainda de avião, e me afastei dele por meses. Mantinha contato por imagens de celular ou computador, algo que dificulta observar detalhes do crescimento e amadurecimento de uma criança. Interessante lembrar: no aniversário de um ano de vida, ele começava a dar os primeiros passos e em seguida uma leve carreira com pequenas quedas, na maioria das vezes me angustiava; 12 meses depois, ele começava a desenvolver a linguagem: Vovô! Óia vovô, passarinho. Olhava para o céu e completava: Vovô Sergio, vovô... Um monte de passarinho. Óia! Na distância, e ao longo dos meses, não percebi que além da parte motora, da linguagem - frases completas e bem elaboradas, ele evoluiu na imaginação. Uma percepção do significado das coisas. Assemelha-se a um cientista nas inquirições: Por quê? Por quê? Sim, uma pergunta aparentemente simples, mas fundamental para o entendimento das coisas da vida. Um questionamento essencial. Algo básico para tudo na vida: Por que isso? Por que aquilo? Uma busca constante por respostas, mas que as crianças as usam sem angústias, apenas pela curiosidade. Sem a necessidade da racionalidade extrema. A criança o utiliza com naturalidade.

Nos poucos dias que permanecemos juntos, ele me surpreendia a todo instante. Aos três anos de idade, embora inquiridor, ele vive como se tudo fosse doado pela natureza, sem um preço, como uma dádiva do céu. Em seu estilo de vida, acrescentou a imaginação. Na inocência do isolamento do apartamento, alternados com pequenos passeios em parques e praças, sem a presença de outras crianças em escolas ou creches, ele faz do seu pequeno quarto, uma ilha de ilusões. Nas figuras de animais da parede do quarto se sobressaem baleias, tubarões, golfinhos e peixes. De repente, ele vem à sala e me chama. Vovô! Vovô Sergio! Vamos pescar. Mas Bernardo, eu lembro a ele, vovô já falou, quando você estiver maior, vovô leva para pescar no rio Itapemirim, lá em Cachoeiro, onde vovô mora. Não vovô. É de mentirinha, lá no meu quarto. Me puxa pela mão e me leva ao quarto. Retira a parte de baixo da cama, estica o lençol e diz: O mar... Pega os brinquedos: concha, estrela do mar, peixes, tubarões, golfinhos e estende na cama transformada no mar. Antes de deixar a concha sobre o lençol, ele diz, colocando-a próximo ao meu ouvido: ouve vovô, as ondas do mar. Eu digo: verdade, Bernardo. Vovô ouve: chuá... chuá... O barulho do mar de Itapoã em Vila Velha. Vovô, vamos pescar. Volta correndo à sala e pede: Vovó Bila, as varas para pescar? Onde estão? Retorna com duas pequenas varetas. Me entrega uma e estende a mão e diz: a isca, vovô! Uma minhoquinha. Pede para que eu ajeite a isca e começamos uma pequena aventura. Digo que estamos próximos ao mar que tome cuidado, ainda não sabe nadar, que coloque a bóia, os itens de segurança... Ele completa: Não, vovô! É de mentirinha... E começa a rir.


Sergio Damião Médico e cronista

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