Cotidiano

Anos atrás, quando cheguei a Cachoeiro, visitava seus morros sem nenhum medo. Hoje não me arrisco

09/07/2024 08:57
Cotidiano /Foto: Rogerio Felippe

Cachoeiro mudou. Mudou como mudou todas as nossas cidades. Não falo das mudanças climáticas, me refiro a algo que não sei explicar. Das minhas lembranças da juventude, em Vitória, nossa capital, caminhava do centro da cidade ao bairro Santo Antônio, periferia da Ilha, a qualquer horário do dia ou da noite. Único conselho do meu pai: se caminhar a noite, no retorno para casa, venha pelo meio da rua, quando estiver próximo ao morro Alagoano ou Volta do Rabaióli (caso apareça algum bandido, fica mais fácil você se livrar com uma boa corrida). E assim convivi na minha adolescência e juventude em segurança e sem muitos traumas. Anos atrás, quando cheguei a Cachoeiro, visitava seus morros sem nenhum medo. Hoje não me arrisco. Aos 66 anos de idade, ando triste com as coisas das nossas cidades e com o nosso país. Mais ainda quando penso no futuro dos meus netos: Bernardo, João Vitor, na Anna Liz que acabou de vir ao mundo e na Heloisa que está chegando. Por mim, estaria fácil resolver: tempos em frente a areia e o mar de Itapuã de Vila Velha, nosso município Canela Verde, ou nas montanhas em torno da Pedra Azul capixaba. Dever cumprido com família e sociedade. Merecido repouso. Mas, apesar da idade cronológica avançada, sinto que ainda posso contribuir na profissão e com o município. Embora desanimado. Um desalento com as coisas que vejo: burocracia, violência, corrupção, falta de entendimento entre lideranças políticas, soberba, falta de humanidade e principalmente fraternidade no país mais cristão do mundo. Grupos se formando no Judiciário, Legislativo e Executivo para que os seus se deem cada dia melhor. Isto é, os poderes da República sem nenhum interesse para o consenso, para a saúde, segurança e bem estar daqueles que deveriam zelar: o Povo. Penso em desistir. Jogar a toalha e sair de cena. Viver pra mim mesmo e meus netos.

Mas, quando penso neles, na fragilidade e inocência que se encontram. Quando ouço João Vitor, meu neto mais novo, com o carrinho em mãos e dizer.: Vô! Vô Sergio! Olha meu carrinho! Carrinho de ?pulícia?, vai prender os bandidos. Em sua inocência, ele acredita na polícia, naqueles que defendem o povo contra todos que pretendem usurpar os direitos e necessidades do cidadão. De repente, em cena televisiva, uma bala perdida em corpo inocente. É... sendo assim, não tenho direito de desistir. Não posso. O devido descanso ainda não me é permitido. Devo continuar. Se não tenho o vigor físico, ainda resta a voz, ainda resta a ideia e o pensamento. Mesmo sabendo, o tempo, faz mudar a maneira que nos veem. Dia desses, fui apresentado por um conhecido. Ele disse: este é o pai do Vitor - meu filho mais novo e médico em Cachoeiro. Isto é, o Vitor deixou de ser meu filho. Um sentimento diferente. Primeiro momento, orgulho. É bom saber que os filhos se tornaram conhecidos. Em contra partida, uma percepção de esgotamento do nosso tempo, uma necessidade de passagem do nosso bastão para os mais novos. A passagem não é simples, em todos os momentos da vida. Vejo apego com as coisas, com tudo que possuímos: vestimentas, alimentos, carros... Falhamos quando esquecemos das coisas que valem a pena viver.