Copa do Mundo e os peladeiros

O fascínio pelo futebol encanta a todos, independente de onde estão.

27/12/2022 09:20
Copa do Mundo e os peladeiros /Foto Reprodução Web

Sempre gostei de futebol. Jogava em meio aos adultos em campo de terra batida ou pó de serra. Jogava descalço. Com o tempo a sola dos pés era preenchida por uma grossa camada em que nada penetrava. Em nossos campos, de peladas, os mais velhos permitiam um ou outro menor, aquele que se destacava em habilidade em jogo anterior. A bola não apresentava a tecnologia atual. A nossa bola apresentava um plástico fino, com o chute forte saía fazendo piruetas no ar e desviava facilmente do goleiro; seguia em linha reta quando chutada de bico, com a força das pontas dos dedos, algo possível, e frequente, devido à maciez do plástico. A bola de couro era guardada para o jogo em campo grande, no futebol de 11. O campo dos peladeiros era sempre improvisado. Bastava uma bola, uma garotada e duas pequenas traves de cada lado. Pronto, começava uma peleja. Claro que existia o campo oficial de peladas. O meu preferido ficava no aterro de Vitória, aterro no bairro Santo Antônio. Iniciava no Cais do Avião, hoje: restaurante Mar e Terra. O centro do campo das nossas peladas foi ocupado pelas arquibancadas do Sambão do Povo, palco dos carnavais das Escolas de Samba Capixaba. Na ocasião existia o mangue, um lamaçal negro, rico em caranguejos, goiamuns... O siri Açu permaneceu, apesar das grandes pedras despejadas pelos caminhões. Em nossos campos de peladas não havia travessão (vão central e alto) apenas as traves laterais e de tamanho menor. Os times eram formados pelo goleiro e cinco ou seis de cada lado. Sem uniforme. Uma escolha aleatória entre os de camisas e descamisados. Uma divisão justa pelas habilidades conhecidas. Não havia marcação de campo, as linhas laterais e a do travessão eram imaginárias. Não havia árbitro. A bola fora (lateral) ou bola alta (por cima do travessão) dependia do grito mais convincente (mais alto). Sempre fui assim: um peladeiro. Não gostava de jogar futebol de onze, em campo grande. Certa vez, em presente do meu pai, recebi chuteiras e bola de couro nº 5. Fui encaminhado para o time de várzea, João Nery, tradicional no bairro. Joguei na Ilha das Caieiras e Campo do Alagoano (Alto de Caratoíras). Não parei em pé, para desolação do meu pai. Acabei com seu sonho de me ver jogador profissional de futebol. Voltei aos campos, e descalço, com a alma e corpo de peladeiro, me equilibrei melhor.

Com a Copa do Mundo de 1970, conheci a televisão, em preto e branco, apesar de já existir em cores. Muitos adultos e crianças em volta do pequeno televisor. Na casa de um vizinho, apesar da imagem e do Bombril na ponta da antena, enxergava e me emocionava bem mais do que com as imagens digitais atuais. Lembro do bolão, sempre escrevia vitória do Brasil por 3 x1, acertei contra o Uruguai. Ao término do jogo voltei às peladas, e por um tempo continuei no Clube dos Médicos, em Cachoeiro, imaginando ser o craque que o meu pai sonhou. Na Copa do Mundo do Catar, devo confessar: mais me alegrou a vitória do Messi do que a tristeza da eliminação do Brasil. Acho que foi empatia pelo exemplo de profissional que o argentino mostrou. O mundo do futebol parecia enviar suas energias para os pés do Messi.