Histórias sobre doação de órgãos marcam audiência - Jornal Fato
Política

Histórias sobre doação de órgãos marcam audiência

Familiares de doadores e pessoas que receberam órgãos falam de suas experiências em evento da Comissão de Saúde


Índio, ex-jogador de futebol de areia, recebeu medula de seu irmão / Foto: Tati Beling

Histórias de dor e de gratidão marcaram audiência pública da Comissão de Saúde, realizada na noite de quinta (26), que debateu o Setembro Verde - mês de incentivo à doação de órgãos. Os relatos se alternaram entre os que celebraram a vida e a possibilidade de recomeço e familiares que amenizaram a dor da perda de entes queridos ao decidirem pela doação de órgãos. 

Um dos relatos foi feito por José Carlos de Oliveira, que é transplantado. Ele recebeu o coração de uma pessoa falecida em acidente. "Em janeiro de 2011 fui diagnosticado com miocardiopatia dilatada, o coração vai perdendo a capacidade de bombear o sangue. Em 2015 coloquei marca-passo, até que chegou um dia em que fui avisado da necessidade de entrar na fila para transplante", relatou. 

José Carlos disse que teve várias internações, algumas com complicações; em uma delas perdeu todos os movimentos e não mexia nem os dedos. "No dia 5 de fevereiro de 2017 tive crise muito forte, me colocaram na respiração (mecânica) e comunicaram à minha esposa que eu já estava em processo de falência múltipla de órgãos", continuou. 

Os médicos apontaram que a expectativa de vida de José Carlos era de 15 dias, mas, na noite do dia seguinte, 6 de fevereiro, a família soube que no Rio de Janeiro havia um coração de uma mulher sangue B positivo, compatível para doação. 

"Aconteceu um acidente, uma moça teve morte encefálica, e a família fez a doação, que salvou a minha vida. Eu sou um milagre de Deus", disse, emocionado. 

Rafael Martins do Nascimento viveu o outro lado da história, o de quem perdeu entes queridos em desastre no trânsito e a família fez o gesto solidário de doar órgãos e salvar vidas como a de José Carlos. 

Ele é primo de Gabriel Martins, de 11 anos, vítima de acidente de carro. Em junho desse ano, ocorreu um acidente na BR-101 envolvendo uma carreta carregada de granito e o carro da família da família de Gabriel. Os pais e o irmão mais novo dele morreram no local e o menino, no hospital.  

Após a confirmação da morte cerebral, familiares decidiram doar todos os órgãos da criança, como córneas, fígado, coração e rins. 
"Foi um momento muito difícil, e estamos ainda abalados com tudo o que aconteceu. Mas após uma conversa do corpo médico com todos da família fizemos uma reflexão da importância do valor da vida, e decidimos doar (os órgãos)", relembrou o primo Rafael. 

Medula de irmão 

Outro caso que despertou a atenção na audiência pública foi relatado por Jorge Ferreira, mais conhecido como Índio, ex-técnico da seleção brasileira de futebol de areia.

Índio descobriu uma leucemia em 2012 e três anos depois precisou fazer um transplante de medula. Seu único irmão, o jornalista Ferreira Neto, foi o doador. "A doação é muito importante, sou eternamente grato ao meu irmão por esse gesto de amor profundo", afirmou Índio. 

O ex-secretário de Estado da Saúde, Tadeu Marino,também deu seu testemunho. Durante os vários anos, ele enfrentou sessões de hemodiálise, já que convivia com insuficiência renal. Esse tormento chegou ao fim em junho de 2014, quando surgiu na lista nacional de espera um rim compatível com o dele. 

"O caso do rim é menos angustiante porque tem a opção da hemodiálise até que surja um órgão, mas é muito complicado fazer sessões todas as semanas. Hoje minha qualidade de vida é muito melhor, e sou eternamente grato a quem disponibilizou o rim que ganhei na rede", contou. 

Dados estatísticos 

Segundo a coordenadora da Central de Notificação, Captação e Transplante de Órgãos do Espírito Santo, Maria dos Santos Machado, há necessidade de avanços para que o estado atinja as metas relativas a esse tipo de serviço. 

Citando números do período 2018/2019, ela disse que há necessidade estimada de 361 transplantes de córnea, tendo sido realizados 260 procedimentos. No caso dos rins, o número de transplantados foi de 72 para uma demanda de 241. Dos 100 que aguardavam na fila, 25 receberam transplante de fígado. 

Em relação a coração, houve nove transplantes numa fila de 32 pessoas. E o estado não conseguiu fazer nenhum transplante de pulmão, a despeito de uma lista que inclui 32 pacientes. 

Recusa familiar

"O Espírito Santo ainda lidera em 52% a recusa familiar de doar órgãos; a gente pede que digam sim para a doação, porque os órgãos somente são retirados quando uma equipe médica atesta a morte encefálica (cerebral) do paciente", assegurou. 

Maria Machado disse que é muito complexa a rede de captação, pois alguns tipos de órgãos, como o coração, tem ser transplantados num prazo máximo de até quatro horas após a morte do doador. 

"Esse ano tivemos as grandes enchentes de maio, e surgiu um coração em Cachoeiro (de Itapemirim). Ficamos ilhados em Viana, sem condições de ir até lá (em Cachoeiro). Foi preciso ajuda da Polícia Rodoviária Federal para que esse órgão chegasse a tempo de ser colocado em um paciente que aguardava em Vitória". 

O presidente da Comissão de Saúde, deputado Doutor Hércules (MDB) fez um apelo para que os familiares doem órgãos dos parentes mortos. "É uma questão cultural, muitas pessoas ainda receiam em fazer esse gesto de amor. O importante é saber que tudo é feito com responsabilidade; os órgãos apenas são retirados quando não há mais resposta cerebral na pessoa que falece", explicou. 

Dr. Hércules convidou as pessoas a participarem de uma caminhada em prol da doação de órgãos que será feita neste sábado (28), na orla da Praia da Costa, em Vila Velha, a partir das 15 horas. 

"É um ato de extrema importância e, quanto mais gente participar, mais força teremos para diminuir o sofrimento dos que aguardam na fila a doação de órgãos", apelou. 

A caminhada vai encerrar a programação do Setembro Verde, iniciada no dia 2 pela Secretaria de Estado da Saúde com o objetivo de estimular a doação de órgãos em todo Espírito Santo. 

As ações durante todo o mês envolveram palestras e seminários em hospitais e faculdades da Grande Vitória e interior capixaba. A campanha "Setembro Verde" é alusiva ao Dia Nacional da Doação de Órgãos, celebrado nesta sexta-feira (27). 

No Espírito Santo, a Lei Estadual 10.374/2015 inclui no calendário oficial do Estado o Setembro Verde como o Mês de Conscientização Sobre a

Doação de órgãos 

Atualmente, mais de 1.200 pessoas aguardam por um transplante no estado do Espírito Santo, conforme informação da Central de Captação, Doação e Transplantes de órgãos. 
 

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