Os outros que lutem

Nem sei porque, mas dei uma olhada mais atenta pelas redes sociais e percebi que uma galera concorda com Bolsonaro e Mourão

27/11/2020 09:47
Os outros que lutem

Nem sei porque, mas dei uma olhada mais atenta pelas redes sociais e percebi que uma galera concorda com Bolsonaro e Mourão, afirmando que no Brasil não há racismo. Um negacionismo que ora entristece e ora irrita, aplaudido pelos meritocráticos incapazes de olhar para a história, para o lado, para o outro. Confesso que houve um tempo em que senti inveja dos ignorantes que dormem com esse barulho achando que estão com a consciência limpa, quando, na verdade, consciência é o que nenhum deles tem.

Posso enumerar eventos racistas por horas, dias, semanas ou meses. Presencio isso faz tempo e com pessoas bem próximas, com a diferença de que hoje me recuso a ficar calada e ser cúmplice. Para alguns desplugados ou desmemoriados, vale relembrar um mínimo do todo.

"Você tem inveja disso aqui. Você tem inveja dessas famílias aqui. Você nunca vai ter. Eu já nasci rico. Você é semianalfabeto". Acendeu aí na sua memória esse recente episódio ou tá fingindo demência? Te ajudo. Esse é aquele entregador do Ifood que foi ofendido por um morador de um condomínio de luxo, que não economizou gestos e afirmações racistas. O ofensor passa bem. Foi banido dessa plataforma de delivery mas anda livremente pelas tantas outras.

Continuando. Matheus foi ao shopping Ilha do Governador trocar um relógio que comprou para presentear seu pai. Matheus, só a nível de informação, também negro e também entregador, foi agredido e humilhado com uma pistola na cabeça porque não tinha ?cara? de quem tinha grana para comprar o relógio.

Prosseguindo. ?Não posso ser preso, pois sou advogado, vocês não são policiais fora do âmbito prisional, lá fora vocês não são nada, pelo menos eu sou advogado e não agente, se vocês tivessem estudado não seriam agentes?. O ano é 2021 e essa foi a fala de um advogado direcionando seu ódio para agentes penitenciários que cumpriam suas obrigações. ?Vagabunda? e ?preto filho da p...? foram algumas das demais colocações.

E mais. A Polícia Civil de Belo Horizonte concluiu investigações sobre um assassinato ocorrido no final de maio e o desfecho foi de que a morte foi provocada por racismo. De acordo com as investigações, o suspeito, de 66 anos, tinha por hábito ofender pessoas de pele negra, inclusive o vizinho, que chegou a matar. Nem mesmo o neto, fruto do casamento do filho com uma mulher negra, ele quis conhecer.

Titi, filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, foi ofendida nas redes sociais pela socialite Day McCarthy que, na ocasião, disse que não entendia por qual motivo as pessoas ?ficavam no Instagram, elogiando aquela macaca?. Cabelo horrível e nariz de preto foram outras das muitas colocações.

O linchamento de João Alberto Freitas não foi caso isolado de racismo nem de violência cometida por funcionário da rede Carrefour. E em meio a pandemia precisamos ainda ter sanidade para convivermos em um país onde as pessoas se acham no direito de matar, ofender e propagar o ódio. Como vamos conseguir?

Todo mundo lembra, ou deveria lembrar, que em setembro da mulher que agrediu um casal gay dentro de um petshop. E, mais recentemente, a louca da padaria em São Paulo que foi presa em flagrante por injúria racial, lesão corporal e homofobia. Lidiane Brandão Biezok já segue solta.

Nossa! Mas que textão! Pois é, amores. E eu nem comecei. No país que não tem racismo e nem covid e nem inflação e nem desmatamento e nem nada, provavelmente não terá natal. E o desconforto é que o desgoverno passa mas fica essa gente que reproduz e acredita no que ele fala, e que só falta afirmas que negros, gays e mulheres estão se matando, se espancando e se auto violentando em uma grande conspiração comunista. Já que, além de não governar, nunca assume a culpa. Os outros que lutem. E nem falamos da morte de Miguel.

Paulinha Garruth

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