O poder do abraço - Jornal Fato
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O poder do abraço

Um dos encontros mais surpreendentes que eu tive foi por ocasião de estar internada


Foto: Divulgação

Um dos encontros mais surpreendentes que eu tive foi por ocasião de estar internada por causa de um problema no rim e receber a visita de um pastor que todas as manhãs visitava os hospitais da cidade. A única coisa que ele me quis saber foi meu nome. Não o motivo de eu estava ali sozinha, se minha doença era contagiosa, se eu era cristã e nem para o time que eu torcia. Não sabia dos meus pecados nem das minhas qualidades. Apenas perguntou se poderia orar por mim. Orou, me desejou melhoras segurando firme em minha mão e partiu na sua missão. Então eu pensei em como somos burros por, muitas vezes, generalizar. Não dá para medir todos os pastores do mundo por Silas Malafaia, Valdomiro Santiago ou Edir Macedo. Existem os bons, que são a maioria. O problema é que os maus são os que ficam famosos.

Uma outra situação que gostaria de citar para ilustrar o que vem a seguir é o que algumas igrejas fazem pelos moradores de rua. Eles tomam banho, recebem roupa limpa, alimentação digna e escutam a palavra de Deus. Não só igrejas, mas grupos particulares também entregam comida, cobertor e afeto. Nunca soube de algum que tenha ficado sem comer porque em algum momento cometeu um crime grave. Nunca soube que negaram a um dependente químico, homicida, traficante ou homossexual. Não estão ali para julgar, mas para ajudar. Dessa forma trabalha o cristão que ama seu próximo. Ou o não cristão. Quem conduz toda essa gente é o amor pelo outro.

Dráuzio Varela é um médico dono de uma carreira muito bem sucedida. Podia desfrutar de uma aposentadoria segura originada desse sucesso, mas usa seu tempo disponível para ajudar os marginalizados. E hoje esse homem está sob ataque. Não espanta que nesse mundo de ódio e cristãos de araque que mais desejam morte que vida esse ataque tenha chegado a ele. E chegou porque, depois de uma reportagem que fez com detentas transsexuais e emocionar a nação por ter abraçado uma delas, foi descoberto que Suzi, a que recebeu o abraço, estava ali por ter estuprado e assassinado um menino de 9 ou 10 anos de idade. Um crime já é inaceitável, tanto que é crime e passível de punição. Um crime contra uma criança é vil. Nefasto. Desprezível. Pior ato que um ser pode cometer contra a humanidade. Eu só não consigo compreender o ataque ao médico que, além de não saber qual era o crime cometido, como é normal as pessoas de bom coração fazerem quando a intenção é apenas ajudar, expressou ali uma coisa que deveria ser mais valorizada: compaixão. Ele, Dráuzio, em nenhum momento defendeu crime ou criminoso. Não existiu isso.

Houve um homem na época da ditadura, e isso a história não só conta como prova e comprova, que enfiava ratos vivos na vagina de mulheres grávidas e chamava os filhos dessas mulheres para assistir. Isso sem falar em estupros, choques elétricos e espancamentos. Esse homem, apesar de nunca ter sido preso por fatores diversos, inclusive idade, foi o primeiro militar a ser reconhecido pela justiça brasileira como torturador. Brilhante Ustra. Sabedor disso, o ora presidente só não o abraçou por estar esse homem morto. Mas rendeu homenagens e externou várias vezes sua admiração. Quem é mesmo que defende criminoso? E falando em criminosos condecorados pelo poder público, os nomes dos estupradores de Araceli, um dos maiores casos de violência e abuso infantil da história desse país, dão nome a duas das mais importantes avenidas de Vitória. Depois de toda fúria sexual e física sofrida, a menina ainda teve o corpo desfigurado por ácido. Isso, gente, isso sim é defender bandido-abusador-estuprador. Não um abraço, um prato de comida ou uma roupa limpa para quem está ali disposto e disponível para ajudar quem quer que seja.

Dráuzio Varella corre risco de vida. Recebe ameaças e não me espantará se tiver que mudar de país. Por causa de um abraço que ele, por compaixão e bondade, distribui nos presídios onde está a mais de trinta anos. Ele não defendeu ou homenageou. Não entender isso é estar doente. Se for para continuar assim, é sinal de que passou da hora daquele meteoro chegar.

 


Paula Garruth Colunista

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