Heranças

04/04/2012 22:02

Entrei no pátio da escola e fiquei preocupado, ao ver a atitude agressiva, incivilizada, grosseira e vazia de jovens estudantes, esparramados na calçada, passagem dos pais, bocas cheias de palavrões, revelando a cabeça vazia e a Educação nula. Um grupo mantinha-se em discreta algazarra, jogando baralho na escada que leva à Diretoria, completando o ambiente pouco recomendável para um educandário tão badalado.

E eu, moleque dos anos 40, percebo a origem dos consumidores de crac, dos derrotados precoces, dos imbecis que pagam caro pela própria morte e dos futuros cidadãos irresponsáveis e infelizes. Os adultos não veem, não percebem, não se interessam? Lembro que o pai, muito pobre, tinha "papos"? edificantes que me  encorajavam; minha mãe, leitora contumaz, mostrou-me o caminho da Cultura. Nem havia baralho em casa, nem cigarros, havia apenas histórias contadas pela mãe e "causos"? lembrados pelo pai. Fiquei matutando "" o que esses jovens terão para lembrar, de que terão saudades nas próximas décadas, quais os alicerces da sua vida adulta?

E me perguntarão: a saudade é assim importante? Creio que sim; nela está a certeza de ter vivido, ser amado pela família, pobre mas honesta, e a lembrança perene de ter sido feliz, o interesse dos pais por nosso comportamento; as histórias edificantes. Tive a amizade dos professores, com isso, a certeza de que devo guardar as lembranças boas da meninice e usá-las como exemplo aos meus filhos. Esses jovens aprendem a jogar baralho, correr, jogar boa e xingam mais do que chutam, falar palavrões, mentir, com falta de assuntos vão xingar e desafiar os professores. E as belezas da infância, da mocidade? O tempo feliz dos descobrimentos no labirinto da vida? O passado feliz ajuda a minimizar as agruras das realidades futuras.

Lembro o garoto magrelo, que antes de dormir sabia orar e ouvir histórias contadas pela mãe "" naquela época as famílias dispunham de algum tempo para cuidar dos filhos... E os presentes, considerados prêmios pelo bom comportamento, a aplicação no estudo e a não inveja dos bens alheios, consciente das parcas finanças da família.

Lembro a infância em Baiminas e em Rio Novo, em Rodeio, onde vendia doces para ganhar uns trocados da avó de olhos cor-do-céu. Horas e horas em pé no sereno, na entrada dos parques, dos circos, das touradas. Via, sim,  os carrinhos bonitos dos meninos ricos, bicicletas mas me contentava com o meu pouco. A boa diversão era pegar acarás no pequeno rio que hoje é simples esgoto fétido. Hoje os tios são apenas lembranças, não tendo mais cavalos para buscarmos no pasto.

Ouvi, uma vez, o cochicho do pai com a mãe: "Ele é inteigente, gosta de estudar, pode até chegar a ser um presidente da República"?.

Já pensaram, alguém me comparar a certos presidentes? Desculpe, meu pai. Preferi imitar você, resolvi ser um obrigatório bancário, um sonhador de versos e crônicas e vencer os percalços da vida pobre como Você, com honestidade, um mero sonhador cheio de versos, de letras, livros nem sempre reconhecidos pelo povo. Pelo menos, longe dos desonestos, dos falsos, dos parasitas. Não pretendi jamais ser um político, graças a Deus. Prefiro continuar honesto.

 

Evandro  Moreira