Diálogo com a solidão* - Jornal Fato
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Diálogo com a solidão*


Roberto Al Barros

As luzes do teatro foram se apagando, enquanto o holofote iluminava o centro do palco. Na mesa de apoio, apenas uma jarra d"?água e um copo, exatamente como solicitara o palestrante. Depois de se concentrar, enquanto a plateia fazia silêncio, o conferencista pegou o microfone e começou a falar:

"O tema da palestra de hoje "" Ã?tica no mundo atual "", me permitiria uma introdução abrangente, quando me reportaria às origens do pensamento ocidental. Aristóteles definiu Ã?tica como Ciência da Moral. Voltemos então aos primórdios do pensamento grego, quando a ética dos bens destacava-se como embrião subdividindo-se em hedonismo e eudemonismo. O hedonismo, defendido pelos cirenaicos, preconizava a moral como dependente do prazer; já o eudemonismo se constitui na doutrina que valoriza a busca de uma vida feliz. Consideremos este "estado de espírito" "" em equilíbrio "" abraçado por aquele que ainda hoje é considerado o mais sábio dentre os sábios: Sócrates "" discípulo de Arquelau, sucessor de Anaxágoras. No mundo atual, no entanto, não podemos pensar na felicidade da mesma forma como  Sócrates a concebia em 399 a. C., ano em que, condenado pelos juízes atenienses, bebeu a cicuta após recusar os planos de fuga preparados por Critão e outros amigos. Desse modo, deixemos então a Grécia antiga num grande salto no tempo... "" vamos contrapor agora as correntes autônoma e heterônoma da Ã?tica, que abrigam a origem dos preceitos morais. Spencer, Descartes, Spinoza entre outros, debruçaram-se no estudo da ética heterônoma e nos legaram extenso material. Ã? interessante observar no entanto que, apesar desses pensadores terem se dedicado ao estudo da heteronomia, abraçaram por outro lado a Ã?tica autônoma que, como o próprio nome indica, declara que o indivíduo possui leis autônomas, emanadas de seu âmago. Como defensor do socialismo do século XXI, costumo afirmar que essa autonomia do cidadão prevalece sobre o Estado, criado para servir à diversidade social. Ao Estado cabe implementar a democracia e a igualdade de oportunidades, principalmente através da Educação. Regidos, no entanto, por regras frouxas e unilaterais, aqueles que deveriam discutir as questões de interesse nacional utilizam-se corporativamente de meios esdrúxulos para manter o sistema engessado aos seus objetivos. O que temos desse modo é a ausência de foco nas demandas da sociedade, apesar da arrecadação de tributos ocorrer como numa acirrada competição olímpica, sempre a bater o próprio recorde. Além do controle externo dos poderes constituídos (e aqui citamos o exemplar ombudsman existente nos países de 'democracia avançada', expressão criada por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira), temos de aperfeiçoar a transparência. Por que, meus caros, abordarmos a Ã?tica sob este prisma? Por que nos referimos aos políticos (salvo honrosas exceções, claro) como dotados de ações e pensamentos maquiavélicos? Vocês, certamente, desejam saber... e lhes digo! Ã? porque não queríamos falar nos efeitos gerados por certas causas notórias; não queríamos dizer que ainda temos um vergonhoso desequilíbrio no amálgama social; não tencionávamos afirmar que, dentre os governantes, poucos são estadistas a olharem com retidão a causa pública. Não podemos nos permitir o luxo de dar três passos à frente e dois pra trás, pois se continuarmos assim, cambiantes, ao chegarmos às gerações futuras "" filhas de nossos passos retrógrados "", estarão em situação similar aos milhões que hoje vivem de falsas esperanças, já que o sistema pouco lhes oportuna em crescimento pessoal "" ao contrário, na melhor das hipóteses, não os deixa perecer de fome"?.

 

*Excerto do conto "Diálogo com a solidão"?, do livro homônimo.

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