ACL: 50 anos a favor da cultura

12/04/2012 23:21

A Academia Cachoeirense de Letras (ACL) completa neste ano da graça de 2012 nada menos do que 50 anos. Não é pouco para uma instituição que se insere num nicho a que o país dispensa tratamento bem medíocre: a educação e a cultura, pois a literatura nas suas mais diversas facetas é fruto desses dois insumos lapidares para a construção de uma sociedade que se queira de alto nível humano e social e econômico. Alguém, maldizente e metido a modernoso, vai logo dizer: "Ih, que coisa mais antiga esse negócio de academia. Não passa de um bom sonífero!"? E mais: que é negócio de província dada a imitar exemplos vindos de outras plagas ditas mais cultas e cosmopolitas. E ainda vão arrematar que se trata de um modismo francês que está fora da moda, principalmente agora que se meteu numa crise socioeconômica de dar dó para um país que já foi o centro do mundo.

Pois é, parodiando Ibrahim Sued, o mítico colunista social dos anos dourados brasileiros "" que por sua vez nada mais fez do que assenhoriar-se de um ditado da sabedoria popular "", enquanto os cães ladram, a caravana passa. E não é verdade? Os piadistas gozavam o Sued, achando que ele era burro, mas ele não era, e, além do mais, sabia cercar-se de quem sabia das coisas. A caravana da Academia Cachoeirense de Letras está na estrada há 50 anos, lutando contra moinhos de ventos, enfrentando intempéries e derrotismos, mas marcando sua presença com uma atividade constante na veiculação das boas letras possíveis que afloram no rincão a que serve, em função do qual existe. Ela está viva e produz, o que não quer dizer que alguns dos seus membros possam fazer aqui e ali corpo mole para suas atividades ou mesmo na produção de obras que contribuam para a cultura local. Malgrado tudo isso, esse cinquentenário é uma efeméride digna de registro, porque cunhou a ferro e fogo a sua marca na vida de uma cidade, de um município e de um estado.

Como explicar que uma instituição dessas pudesse brotar e vicejar num recanto pacato incrustado entre as serras do sul do Espírito Santo, um estado da federação que parece continuar a dormir em berço esplêndido, pelo menos no que toca à educação e à cultura?

Primeiro, Cachoeiro de Itapemirim não é, com todo o respeito, um lugar como outro qualquer, mas a terra de Rubem e Newton Braga e de Bernardo Horta de Araújo, e mais uma plêiade de educadores, poetas, cronistas, romancistas, jornalistas, atores, atrizes, compositores, cantores, cantoras, músicos, atletas, médicos, economistas, engenheiros, arquitetos, pintores, juristas, políticos e que tais, de renome nacional, e isso a torna muito especial: uma urbe que tem uma histórica rica em educação e cultura, embora parte expressiva dessa riqueza deva-se mais ao passado do que o presente. Ora, se o passado é a semente do presente e do futuro, tudo indica que não será um momento menos pródigo na colheita de grandes criadores que vai emperrar sua caminhada para frente. As crises devem ser vistas como provocações para que os espíritos mais indômitos não aceitem o statu quo e invistam suas forças em novas saídas, rompam barreiras, abram horizontes.

A ACL, que hoje tem no comando Solimar Soares da Silva, um homem de letras e, portanto, comprometido com a cultura, é uma frente importantíssima na luta contra a mediocridade. Que esses espíritos mais acalorados e comprometidos com o ideal de progresso deixem de lados seus preconceitos e cerrem fileiras em torno dela. Não há como desprezar instrumentos que concorram para a recuperação do tempo perdido em Cachoeiro, para fazer com que a cidade e o município possam reaver a sua grandeza educacional e cultural, que a tornaram no passado a Atenas Capixaba e renderam-lhe ainda o originalíssimo dístico de capital secreta do mundo, exatamente por sua capacidade de, enquanto província, ter sido um espaço cosmopolita, ligado ao país e ao mundo, num tempo em que não se dispunham dos recursos fantásticos da internet, da notícia em tempo real. A província, naqueles outroras, não fora o rádio, seria uma ilha, mas apesar disso Cachoeiro tinha a vocação de continente.

Em 2011, a cidade comemorou o centenário de nascimento de seu poeta maior e do maior animador cultural que já teve: Newton Braga. Este ano, além do cinquentenário da ACL, tem que dar conta das comemorações de dois outros centenários de nascimento: o do advogado e educador Deusdedit Baptista, um homem que devotou sua vida a construir ponte entre as pessoas e as comunidades "" uma espécie de a voz de Cachoeiro; e o do grande poeta, jornalista, radialista, cronista, romancista e tantas outras qualidades, Solimar de Oliveira, um homem que sonhava acordado. Em 2013, haverá dois outros centenários: o de nascimento do imenso Rubem Braga, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos; e de morte de um herói da abolição da escravatura e dos ideais republicanos, Bernardo Horta de Araújo, cuja indiscutível grandeza o transformou num exemplo raro de cultor da ética e da responsabilidade social, pelas quais não hesitou em imolar-se.

Meu Deus, é pouco? Uma comunidade que produziu tantos seres admiráveis nos domínios da educação e da cultura, pode acomodar-se? Pode sujeitar-se a um presente e um futuro medíocre? Nada disso. Há que lutar, há que somar forças, há que retomar o caminho da grandeza, do culto da inteligência, do gosto cosmopolita de ser. Sair do isolamento e estar ligado no país e no mundo, pois agora tudo ficou muito fácil: a tecnologia está aí, oferecendo a quem quiser as chaves mais poderosas para abrir as portas de uma vida cada vez melhor. Ã? a sabedoria ao alcance de quase todos e, a par disso, uma arma do bem no combate do mal do milênio: a corrupção. Uma terra que teve uma pioneira como Zilma Coelho Pinto, que já sabia, em meados do século XX, que a educação era a forma mais competente de distribuir riquezas, de promover justiça social, não pode dar-se o luxo da acomodação. Mãos à obra! Vamos todos honrar o passado nobilíssimo com que a natureza nos brindou, construindo um presente e um futuro ainda mais vibrante.

Jornalista. Editor da Booklink Publicações. Organizador do livro Deusdidit Baptista: cidadão em tempo integral, e um dos editores da obra completa de Newton Braga, ambos publicados pela Booklink. Membro fundador e efetivo da ACL e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)

 

Bruno Torres Paraiso

 

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