Plástico: de solução a problema em um século - Jornal Fato
Meio Ambiente

Plástico: de solução a problema em um século

Uso indiscriminado do material derivado de petróleo gera impactos severos ao meio ambiente


Oceanos terão mais plásticos do que peixe em 2050 / Foto: ONU Meio Ambiente

Derivado do grego plastikós, que significa "adequado à moldagem", o plástico se mostrou tão versátil que hoje está presente em quase tudo o que consumimos. De canudos e copos a produtos das indústrias cosmética e têxtil.

A Organização das Nações Unidas (ONU) considera o plástico o maior problema ambiental do século XXI. Estudo divulgado no Fórum Econômico Mundial em Davos previu que, no ritmo que estamos, em 2050, haverá mais plástico que peixes nos oceanos. O material criado no final do século XIX é aplicado especialmente na fabricação de embalagens e se popularizou por reunir baixo custo, durabilidade e maleabilidade.

"Na natureza os plásticos têm baixa ou nenhuma biodegradação (capacidade de reciclagem natural) persistindo no meio ambiente por tempo superior a 400 anos.  Aos nossos olhos o plástico vai desaparecendo por meio de fragmentação devido à ação de luz solar ou outros intemperismos", explica o professor Servio Tulio Cassini, do departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). 

Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) o Brasil produz mais de 11,3 milhões de toneladas de lixo plástico por ano e é o quarto maior produtor mundial desse resíduo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia. Grande parte do plástico é de uso único, ou seja, descartada pouco tempo após o uso como canudos, copos, embalagens e sacolas.

Alerta

Imagens de animais como tartarugas, peixes e aves com o organismo repleto de materiais plásticos ganharam visibilidade e ajudaram a mostrar como esse resíduo pode afetar a vida, não só de outros animais, mas também dos humanos.

Os animais são como sentinelas e alertam sobre como o material está impregnado no habitat marinho, inevitavelmente contaminando nossa cadeia alimentar e tendo impactos inclusive na qualidade do solo e do ar. Isso ocorre porque o plástico se degrada com a ação do sol, vento e correntes marinhas, chegando a dimensões praticamente invisíveis a olho nu, é o chamado microplástico.

"Os microplásticos vão se acumulando ao longo das cadeias, interferindo na capacidade de nutrição, toxicidade para câncer e até mesmo na produção de hormônios. Há estudos demonstrando que o acúmulo de microplásticos em peixes ocasionou uma série de descontroles hormonais devido à interferência dos compostos (ftalatos) presentes nos plásticos e microplásticos na produção desses hormônios. Inclusive alguns tipos de mamadeiras de plásticos já foram proibidos devido ao efeito tóxico de compostos presentes nos plásticos (ftalatos) principalmente quando submetidos a temperaturas acima de 50 graus", alerta o professor Servio Cassini.

Solução fácil

"O plástico é uma solução fácil para vários problemas. Não podemos negar que ele facilitou muito a vida do homem, mas também se tornou um grande inimigo da humanidade", avalia o ambientalista Eduardo Pignaton. Há 30 anos ele realiza a descida ecológica do Rio Jucu como forma de chamar a atenção para as agressões de toda ordem sofridas pelo corpo d'água que abastece 25% da população do Espírito Santo.

Pignaton considera que o volume de plástico no rio hoje é infinitamente maior que há três décadas, quando começou a ação. Para o ambientalista, as empresas que fornecem embalagens e produtos plásticos deveriam ser responsáveis por viabilizar a reciclagem do material. "A logística reversa tem que ser posta em prática", sentencia.

Reciclagem

Praticamente todo o plástico usado no Brasil vai parar em aterros sanitários, lixões ou rios e mares. Isso porque apenas 1% do material é reciclado no país, índice bem abaixo da média mundial, que é de 9%. O uso indiscriminado somado ao descarte inadequado se transformou em um dos maiores problemas ambientais da atualidade.

A grande justificativa para o baixo índice de reciclagem é comercial. Diferente do alumínio, por exemplo, o plástico não é considerado comercialmente rentável para a reciclagem. Mas para o diretor presidente do Instituto Goiamum, Iberê Sassi, a justificativa não passa de falácia. "Apenas o investimento inicial, a compra das máquinas, tem um custo um pouco mais elevado. Mas esse investimento se paga em um ou dois anos", afirma o biólogo que fundou o instituto há 10 anos. Ele também assegura que se todo o plástico usado atualmente fosse reciclado, não seria mais necessário extrair matéria-prima para produzir o material.

Uma das ações de educação ambiental realizadas pelo Instituto Goiamum é a limpeza de praias. Em uma delas, no período de quatro horas, foram coletadas em praias do município da Serra três toneladas de resíduos, a maioria de plásticos.

Iberê defende que o poder público incentive a coleta seletiva como forma de viabilizar a reciclagem. "O plástico é infinitamente reciclável. Se não conseguirmos mais reciclá-lo ele pode virar combustível. No entanto, as empresas que fazem reciclagem de plástico são muito poucas, a maioria está em São Paulo". Pós-graduado em Educação Ambiental, ele também advoga pelo intensivo trabalho de conscientização sobre a redução do uso do plástico.

No foco da lei

Diante dos problemas gerados pelo plástico várias iniciativas vêm sendo propostas no legislativo estadual como forma de frear o uso do derivado do petróleo e buscar alternativas ao material.

Uma das pioneiras foi a Lei 9.896/2012 que obrigou estabelecimentos com mais de três caixas registradoras a fornecer gratuitamente aos consumidores sacolas plásticas biodegradáveis ou oxi-biodegradáveis em substituição às sacolas plásticas convencionais.

Prestes a completar um ano em vigor, a Lei 10.942/2018 determinou que estabelecimentos só comercializem e forneçam canudos descartáveis feitos com material biodegradável. 

A própria Ales já tem resolução (6.497/2019) em vigor para eliminar progressivamente até 2023 o uso de materiais descartáveis na Casa. 

O papel de cada um

Independe de leis, cada cidadão pode ajudar a reduzir o volume de resíduos derivados de petróleo. A mudança de padrão de consumo e de alguns hábitos é um dos pilares. Usar sacolas retornáveis, evitar canudos, copos e utensílios plásticos, fazer coleta seletiva e rejeitar cosméticos e têxteis que tenham microesferas plásticas são fundamentais nesse processo.

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