O cotidiano dos velórios - Jornal Fato
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O cotidiano dos velórios

Em geral não fico à vontade e fico admirada com as pessoas que abraçam e beijam o morto


Na minha idade ir a velórios tornou-se fato recorrente. Às vezes, quando tomo conhecimento do óbito de alguma pessoa amiga, a primeira reação é de omitir-me, fugir até dos momentos dramáticos, e nos casos de mortes violentas a vontade se intensifica. É duro vivenciar o sofrimento diante de uma situação inevitável. Contudo sempre analiso que ficarei em dívida com a família, e esta só será amenizada com visita posterior numa situação de fragilidade e dor. Enfim, fico hoje a recordar da época de estudante, quando comemorávamos a morte de alguém da escola ou importante, o que representava um dia de folga, pois a maioria não seguia as orientações de comparecer ao velório e ficava farreando pelas ruas.

Em geral não fico à vontade e fico admirada com as pessoas que abraçam e beijam o morto, e quanto mais ligada mais distante prefiro me posicionar, na tentativa de aplacar a dor. Não tenho muita vontade de conversar, inclusive até considero falta de respeito as conversas paralelas e o burburinho nos espaços do velório. O primeiro familiar que perdi foi o meu pai, como morreu bem idoso as conversas se intensificaram sobre todos os assuntos e quando percebi que até contavam piadas, senti vontade de pedir que calassem a boca e respeitassem a nossa tristeza.

Hoje os velórios são eventos planejados e realizados pelas funerárias, que inclusive oferecem serviço com pagamento antecipado pelo futuro usuário. Não vejo com muita naturalidade, nem planejo nada nesse sentido, não pago nenhum carnê de sepultamento e libero minha família para me descartar de qualquer forma depois do sinistro. Quero é ser amada e paparicada em vida! Em outras épocas os velórios duravam um tempo bem mais longo, não havia perigo de violência e assaltos e velava-se dia e noite. O que aconteceu com um amigo foi inédito - ficou a conversar, se distraiu e quando percebeu só restava ele e o defunto, junto de quem teve que permanecer à noite toda, sozinhos. E em velórios de pessoas bem idosas, fica-se numa situação em que, são tão poucos participantes que é constrangedor se retirar. Zeca Pagodinho, com toda naturalidade e irreverência afirma que, em Xerém, onde reside, velório é um evento, em que são consumidos bebidas e salgadinhos à rodo, e ele faz questão de patrocinar. Cada um é livre para pensar e agir como quiser, para mim velórios são constrangedores e neles os códigos de bom senso não são, definitivamente, respeitados.

 

Marilene De Batista Depes


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