Meu começo. Fim... Uma análise acerca do aborto - Jornal Fato
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Meu começo. Fim... Uma análise acerca do aborto


Estava dormindo profundamente ou, por alguma razão, não me lembro de nada antes do meu despertar. Minha vida era num lugar escuro e dentro de uma espécie de saco protetor, mas me sentia pleno. Naquele lugar, nada me faltava.

Assim que acordei, comecei a ouvir vozes. Tinha uma em especial que gerava em mim algo maravilhoso, pois vinha regada de alegria e de cumplicidade. Senti em mim um despertar, um desejo de sair daquele lugar só para ficar mais pertinho daquela voz que, de longe, me dava aconchego. Tinha certeza de que ela iria adorar me conhecer.

Era muito estranho porque, em meio a escuridão, percebi que fui mudando. Não via em mim uma forma, mas, de repente, cresceram umas coisas que alguém, lá de longe, disse que, apesar de muito pequeninhos, chamavam-se braços, pernas e órgãos... Logo depois, conseguia tocar meus pés e pôr as mãos em minha boca. Que legal! Senti que já podia bocejar e enxergar o mundo, ainda limitado, mais pleno, onde eu vivia.

Apesar de ficar sozinho o tempo todo, não me sentia só. Ao contrário, tinha dentro de mim a certeza de que alguém divino, meu Criador, já tinha lindos e grandes projetos para minha vida. Sentia, ainda, que Ele cuidava de cada detalhe para que Seus sonhos, em mim, se concretizassem.

Não poderia ser diferente: como conseguiria experimentar tantas mudanças e, em meio a solidão, me sentir tão pleno e tão amado, se não fosse a presença de Deus?

Se não bastasse tão grande amor, todos os dias, eu ouvia uma voz que, tocando tímida e sutilmente em mim, dizia: "filho, eu amo você e iremos, juntos, superar tudo isto". Eu ficava muito, muito, feliz. Eu me sentia o máximo, achava que iria cuidar dela e que o mundo lá fora seria só meu e dessa voz, doce, suave e amável, que fiquei sabendo que se chamava mãe.

Quando eu comecei a crescer um pouco mais, começou a ficar muito apertado aqui dentro e isto me machucava. Não entendia porque, mesmo tão protegido, sentia-me esmagado.

Certo dia, aquela voz sussurrou: "sei que estou ferindo você, mas preciso de esconder". Isto me deixou muito triste... Mesmo sem entender, senti culpa e percebi que, por alguma razão, o amor e as promessas daquela voz ficaram estremecidos.

Dias depois, ouvi outras vozes, que me eram estranhas. Elas diziam algo do tipo: "fica tranquila, ele ainda não entende, não sente dor, não tem vida,..., você não terá como cuidar dele sozinha."

Tentei escutar melhor, queria descobrir sobre quem falavam, mas, sem entender, senti um aperto no peito. Ah, eu já tinha, bem pequenino, uma coisa que vocês chamam de coração. Neste instante, a voz do Criador me afirmou que eu era amado, mas, por alguma razão, eu não me sentia assim. Esta Voz insistia em dizer que sempre estaria comigo e que eu não precisava de me preocupar. Nesse momento, senti que, de algum modo, eu era abraçado. O calor desse carinho ultrapassava minha bolsa protetora e aquietava meu pequenino coração.

Mas, aquela voz doce, mesmo eu me sacudindo para tentar chamar sua atenção, foi emudecendo. Certo dia, senti uma pressão que me fazia saltar de um lado a outro dentro do meu lar. No começo eu sorri, pensei que era minha mamãe brincando, mas, depois, ouvi um choro forte, muito forte, da voz que, antes, me acolhia. Isto doeu em mim. Queria cuidar dela, mas não podia...

Poucos minutos depois, senti uma forte dor, meu Deus!, com meu coração, gritei. E, sem entender nada, como num grande terremoto, sentir um puxão que parecia me sugar para lugar nenhum.

Depois disto, outra vez, o silêncio! Senti um apagão e já não tinha lembrança, nem vida e nem esperança. Nunca mais ouvi aquela voz doce, nunca vi sua face e nunca vivi fora daquela bolsa que me dava tudo o que precisava.

Contudo, a voz do Criador era real, era sincera e, de fato, Ele me amou mesmo depois do fim...

 

Salmo 27, 10: 0 Ainda que me abandonem pai e mãe, o Senhor me acolherá.


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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