De mãos dadas

Somos forçados, por questões maiores que nós, a unir forças para amenizar danos e sofrimentos coletivos

17/04/2020 09:30
De mãos dadas

Por coincidência, por providência ou por motivos superiores à nossa vã filosofia humana, nos últimos tempos, temos sido levados a entender que sozinhos não damos conta. Somos forçados, por questões maiores que nós, a unir forças para amenizar danos e sofrimentos coletivos.

Não poderia deixar de me lembrar da enchente dos primeiros meses do ano e cujas consequências ainda não foram superadas. Pela força das águas, que machucaram vários estados brasileiros, a capacidade de se solidarizar foi revelada através de inúmeras pessoas que, dentro de suas possibilidades, ajudaram os mais prejudicados.

Sequer foram superados os prejuízos econômicos e emocionais causados pela força das águas, o Brasil passa a enfrentar outro grave e, dessa vez, universal drama: as consequências materiais, físicas e emocionais trazidas por algo invisível, mas de força, até agora, não controlada pela inteligência humana.

Diante daquilo que homem algum é capaz de enfrentar, o direcionamento mundial é pela quarentena, mas esta, única alternativa, por ora encontrada, traz em si muitos outros sintomas negativos: a economia chora; empresários já não sabem como adimplir suas contas básicas; empregados e autônomos atormentam-se pensando no pão de cada dia; declínio em várias esferas sociais. Os poderes legislativo e executivo inovam cotidianamente a legislação pátria em busca de amenizar sofrimentos inevitáveis.

Junto a isso, no poder executivo, especialmente nacional, surgem divergências significativas que revelam conflitos entre direitos, todos garantidos pela constituição federal, dentre outros, são eles: direitos à saúde, à vida (artigo 6º) e à ordem econômica (artigo 170).

Em tempos comuns, cada Turma dos Tribunais Regionais e Superiores do Judiciário brasileiro, em caso de conflito entre direitos, decide de acordo com os valores que mais lhe são importantes. Hoje, no Brasil, não é diferente, pois se vê conflito para todo lado. No poder executivo, por exemplo, de um ladoo Presidente da República na defesa da economia, do outro, o Ministro da Saúde na escolha pela vida. Diante de dois tão importantes e necessários direitos, qual deve prevalecer?

Como qualquer outro cidadão, enfrento as sequelas econômicas, etc., da crise atual. É óbvio que alguns sofrem muitíssimo mais que outros, pois, há brasileiros perdendo o quase nada que possuíam.  Há outros perdendo apenas algumas regalias excessivas ou nem mesmo isso. Estes paradoxos nos fazem enxergar com clareza a grave desigualdade social presente em nosso país.

Contudo, necessário entender que a classe que, hoje, range os dentes pelos danos econômicos: aquela que precisa do auxílio emergencial, ou aquela composta pelos pequenos empresários e pelos autônomos, será a que mais danos, caso acometida pelo COVID-19, sofrerá. Isso porque o SUS não tem condição de atender todos os que serão infectados se suspensa a quarentena.

Entendo a gravidade da situação, experimento os danos e os medos causados por ela, mas, se o poder estivesse em minhas mãos, entre a vida e a economia, optaria pela vida. Junto a isso, dentre as competências legais inerentes aos entes públicos, dobraria meus joelhos para que a solidariedade, que em outros momentos se revelou existente, se intensificasse entre os que tem condição de ajudar.

Acredito que, se enfrentarmos essa crise de mãos dadas, unindo nossas forças, por mais que a economia entre em colapso, após o COVID-19 passar, com vida, com saúde, com união e com o agir dos poderes públicos, responsáveis pela entrega e pela manutenção dos direitos constitucionais, todos os danos serão, de pouco a pouco, superados.

Isso porque a história revela que grandes colapsos econômicos já foram revertidos de modo que a prosperidade retomou seu lugar. Contudo, exceto pelos milagres que, ainda hoje, pela fé, se revelam, depois da morte, jamais se voltará à vida, ao menos do modo como a conhecemos.