Rubem Braga (1)

Chegando à época da Festa de Cachoeiro, que por razões óbvias não será comemorada neste 29 de junho de 2020

26/06/2020 10:22
Rubem Braga (1)

Chegando à época da Festa de Cachoeiro, que por razões óbvias não será comemorada neste 29 de junho de 2020, não há porque não voltar, como sempre, à figura de Rubem Braga (sem desmerecimento dos demais, o cachoeirense que mais permanentemente será lembrado em todos os tempos, afora Roberto Carlos, que ? noutra área - empata com ele). Pois é, lembrando-me da Festa de Cachoeiro, lembrei-me de Rubem e fui à minha estante à procura de um livro sobre ele, entre os que tenho. Soltou-se da estante e caiu em meu colo, o ?Rubem Braga ? Um cosmopolita afeito à sua província?, de autoria da Prof. Maikely Teixeira Colombini, resultado de sua Cultura cachoeirense e de sua Pós-Graduação em Letras pela Universidade Federal de Viçosa ? MG (UFV).

O trabalho realizado por Maikely, não só foi aprovado na Universidade, como se transformou em livro selecionado e publicado (Ed. Cachoeiro Cult) sob auspícios da Lei Rubem Braga de Cachoeiro (2016).

Esse livro merece muito ser lido e relido e ainda existem alguns na Banca da Teresa, a mais antiga da cidade (com esse ?antiga?, a Teresa vai-me ?crucificar?, mas é a mais pura verdade). E lendo especificamente o livro de Maikely, recordando toda a história de Rubem e dele, livro, de repente, não mais que de repente, choco-me, às págs. 71/73, com texto meu, de fevereiro de 2015, que publico nesta página, e não me lembro se o vi impresso em jornal (aqui no Fato) ou em revista (Sete Dias). Na dúvida, não custa repetir o texto, em homenagem tanto a Rubem quanto à Maikely e à memória desta cidade que não só é a Capital Secreta do Mundo, mas local para onde sempre voltamos a nossa imaginação. (O texto a que me refiro é o que está abaixo, sob título ?Cachoeiro: só se volta para onde se ama? ? título que coloquei agora).

 

CACHOEIRO: Só se volta para onde se ama

Cachoeiro de Itapemirim, ao tempo do nascimento e da consolidação do pensamento próprio de Rubem Braga (1913/1930) era uma cidade diretamente ligada à Capital Federal, o Rio de Janeiro. Não tinha nenhuma ligação especial com a capital do Estado, Vitória.  Aliás, até a revolução de 1930, Vitória era uma cidade em que preponderavam, no governo do Estado, políticos nascidos ou formados em Cachoeiro (Os Monteiros, Marcondes de Souza, Florentino Avídos).

Essa ?vantagem? sobre a Capital Estadual, que não tinha o mesmo espaço que o Rio de Janeiro tinha no imaginário do cachoeirense do início do século XX, por certo dava aos cachoeirenses algum orgulho que seus habitantes, principalmente os mais esclarecidos, ?inventaram?: - nossa cidade estava além de uma simples cidade do interior do Estado, estava diretamente ligado à Capital Federal, onde muito de seus filhos iam estudar.

Cachoeiro era, enfim, a ATENAS CAPIXABA e, posteriormente, criação da época de Rubem, já consagrado, A CAPITAL SECRETA DO MUNDO. Além disso, Rubem era fruto de um tronco familiar dos mais tradicionais da cidade; seu pai, comerciante, foi o primeiro prefeito de Cachoeiro, em 1914, Rubem tinha um ano.

Esse conjunto de acontecimentos que se formou à época de Rubem criança, criança prodígio, como já se antevê na sua primeira crônica publicada ainda na escola primária (A LÁGRIMA), não podia deixar de dar no que deu: o menino sempre voltaria à cidade natal, e voltou sempre; suas crônicas estão repletas de retorno a Cachoeiro, não poderia deixar de ser de outra forma ? onde se foi feliz, para ali se volta sempre, não tem outro jeito. Além disso, não se pode abdicar da questão afetiva: não se volta para onde não se ama. Rubem, primordialmente, foi feliz e muito amado em Cachoeiro; faz parte de família especial, talentosa, honesta, justa, sensível, solidária e amorosa para com os seus e para com a cidade. Herdou dela esses predicados e estendeu à cidade natal, palco dessas vivências, todo esse afeto.

Essa é a minha opinião sobre o porquê de Rubem estar sempre de volta a Cachoeiro, e desde já autorizo a publicação em qualquer meio dessas considerações braguianas.

 

RUBEM BRAGA (2)

Tolstoi escreveu: se alguém quer ser universal, cante sua aldeia. Rubem Braga aproveitou a lição; boa parte de seus textos é Cachoeiro. O leitor de Rubem, de onde seja, tem a impressão de estar lendo sobre sua (do leitor) cidade. Mais importante personagem da literatura de Cachoeiro, o ?Sabiá da Crônica? soube como ninguém, passar para pequenos textos ?as boas coisas da vida?, título de um de seus últimos livros. É citado, ao lado de Machado de Assis, como leitura obrigatória para quem quer aprender a escrever. Boa indicação de leitura: seu ?200 Crônicas Escolhidas?, seleta de quase todo período em que escreveu as 15.000 crônicas para jornais e revistas.

Nasceu em Cachoeiro em 12/01/1913; morreu em 19/12/1990, no Rio. Filho de Francisco de Carvalho Braga, primeiro prefeito de Cachoeiro, paulista de Guaratinguetá, tabelião na cidade, e de Rachel de Cardoso Coelho.

A primeira crônica reconhecida ? A Lágrima ? foi publicada no jornal ?O Itapemirim?, do Grêmio do Colégio Pedro Palácios, em dezembro de 1926 (Rubem tinha 13 anos). O Professor Ávila, diretor do colégio, ao chamar o cronista de ?burro?, levou Rubem a deixar Cachoeiro. Para Niterói e, daí, para o mundo. Segundo Sérgio Garschagen ?a afronta do velho mestre fez mais pela literatura e pelo jornalismo brasileiro que a maioria dos literatos da Semana de Arte Moderna de 22?.

Em Cachoeiro, Rubem Braga é nome de teatro, de bairro popular, de programa de incentivo cultural que não funciona(va) e até de Trevo, o antigo Trevo do BNH. (Funcionários do Banco do Brasil queriam homenagear Rubem Braga, dando seu nome à nova agência. Descobrimos que o banco não batiza agência com nome de pessoas, vivas ou mortas, exceto se a agência se localizar em logradouro com o nome do próprio. Com a ajuda da Câmara Municipal, conseguimos. Aprovou-se lei dando ao Trevo do BNH o nome de ?Trevo Rubem Braga?. A nova agência instalou-se ali, e ficou Agência Rubem Braga). Coisas do velho Braga. (publicado originalmente na Conexão Mansur 81, de 10/jan/2011).

 

A LÁGRIMA

Rubem Braga (quando no 3º Ano Ginasial) - ?Quando a alma vibra atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da desgraça, este, numa explosão irremediável, num desabafo sincero de infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se, oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo e consoladora como a esperança; essa pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência do sofrimento: é a lágrima.

E uma lágrima, de homem ou de mulher, de alegria ou de tristeza, é sempre reveladora indiscreta, traidora inconsciente dos segredos d'alma. A lágrima transpõe todas as dificuldades: amolece os corações mais duros com o seu poder maravilhoso, com a mesma facilidade com que endurece os corações mais moles com seu brilho ardente. No homem, é ao mesmo tempo a consolação e o desespero, a confissão suprema da impotência humana contra os golpes da sorte, ante os quais os mais orgulhosos se curvam humildemente. Ela foi, sempre, através da historia, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão.? (Transcrita da pág. 83 do ?Crônicas de Cachoeiro? (Levy Rocha).