O Dia em que Camões me ajudou - Jornal Fato
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O Dia em que Camões me ajudou

Sempre fui leitor inveterado, desde a infância. E desde a infância quer dizer em redor dos meus quatro anos de idade, idade em que aprendi a ler


Sempre fui leitor inveterado, desde a infância. E desde a infância quer dizer em redor dos meus quatro anos de idade, idade em que aprendi a ler. Aprendi com meu avô Heraclides Alves de Araujo, lá em Muniz Freire, onde nasci e por isso - pela leitura precoce - ele, que era Professor, me chamava de Vovô Pequeno.

Não tenho mais ideia do que lia naqueles tempos, mas certamente Monteiro Lobato estava entre meus preferidos e nas encomendas de livros que meu pai, Manoel Mansur, já fazia naqueles tempos de criança. Vinham pelos Correios.

Conto essa história de 4 anos de idade, como introito para uma outra que veio ocorrer em Castelo, no Colégio João Bley, quando eu cursava o segundo ano cientifico, portanto já mais adiantado na idade, com meus 16 anos bem vividos. A aula era de Química, ministrado pelo Professor Nelson Rangel, médico e pessoa respeitadíssima na cidade, na escola e entre o alunado e o professorado, respeitado por toda a cidade.

Sendo aula de Química, nem sei como foi - nela - chegar à literatura. O Professor Nelson, com sua sabedoria, repetiu aquele velho chavão de que todo o mundo falava que lia, mas não lia quase nada, sequer sabia de cor um pequeno texto de algum livro. "Os Lusíadas", por exemplo, do mais que clássico Luiz de Camões. Justo no tempo em que eu começara (e não acabara a leitura do livro... "Os Lusíadas", capturado na Biblioteca da Escola, então ainda lá no Bairro ... Vila Izabel, eu acho).

Quando ele insistiu que mais se falava em ler, e não se lia, quando ele repetiu o título de "Os Lusíadas", dizendo que ninguém seria capaz de repetir alguns versos dele, não resisti. Disse logo que eu poderia declamar alguns versos. É que os primeiros versos do livro tinham me encantado de verdade, e eu os decorara, mais propriamente os quatro primeiros versos, só... mas para que confessar ao Professor e ser desmoralizado perante tantos colegas.

Enchi os peitos e falei; "Eu li, eu sei, eu decorei".

Dr. Nelson vira pra mim e diz. - "Então declama".

Declamei logo o primeiro e o segundo versos:

- "As armas e os Barões assinalados / que da Ocidental praia Lusitana...".

Quando vi toda turma de boca aberta (Dr. Nelson também), parei. Já era vencedor... e não haveria eu, tão caladinho que era, de humilhar meus colegas boquiabertos.

Mas o Professor Nelson não se fez de rogado e me "atacou": - "Só isso que você sabe? Continua, vai lá!".

Entendi que deveria seguir e segui declamando os demais dois versos da primeira estrofe, repetindo o primeiro e segundo e enchendo o peito:

"As armas e os barões assinalados,

Que da Ocidental Praia Lusitana

Por mares nunca dantes Navegados

Passaram muito além da Taprobana".

Aí tremi... E se o Professor mandasse eu continuar? Eu só decorara aqueles quatro versos pela beleza deles, o que já me permitira não ir além da Taprobana. Mas, acho, o Dr. Nelson rendeu-se à minha "sabedoria", tremeu mais que eu. E fica por aqui a minha história de "grande leitor" desde a minha meninice e juventude.

Só que eu, jovem, queria mais. Logo chegou-me às mãos a tradução portuguesa de "A Divina Comédia", de Dante Alighieri, cujos versos iniciais e geniais, que decorei, são:

- "Da vida ao meio da jornada,

Tendo perdido o caminho verdadeiro,

Achei-me embrenhado em selva escura.

Descrever qual fosse tal aspereza umbrosa,

É tarefa assaz penosa,

Que a memória reluta em relembrar...

Mas, desejando celebrar o Bem que ali encontrei,

Também direi a verdade sobre as outras coisas vistas".

Pena que ninguém nunca mais me provocou para embates de leitura, acho que pelas lembranças da época do científico. Ainda que sejam lembranças lá de Castelo, as histórias correm mundo, eu acho, abusando um pouco da modéstia.

(No ano seguinte, em eleição direta, fui eleito presidente do Grêmio do Colégio João Bley, o Centro Cívico da Juventude Coelho Neto, tendo como Vice-Presidente o Ediones Ferrari, gênio castelense que Deus levou tempos depois para junto de si).

 

Esse Cara Sou Eu

O que mais gosto de ler: crônicas, livros de História, biografias... e tudo. Tenho gosto eclético. Se acho boa, leio, até poesia.

Meus autores prediletos? - Crônicas, claro, as de Rubem Braga; História e Política, claro, Maquiavel; Poesia, Benjamim Silva.

Sem contar que sou apaixonado pelos livros que abordam a História de Cachoeiro, principalmente os do Evandro Moreira, os do Prof. Maciel e o de Antonio Marins... Esses principalmente, mas tantos outros.

Livro inesquecível, pra mim que tenho veia política, é O PRINCIPE de Maquiavel. Na minha estante tem mais de 100 traduções de O PRINCIPE, afora a mesma quantidade de livros sobre Maquiavel. Foi com Maquiavel que aprendi a realidade da vida dos homens: - a maioria prefere aquilo que lhe interessa... "apenas" porque lhe interessa.

Escrever, pra mim, é me libertar, planar, voar, transmitir ideias, dividir coisas boas... e ruins, enfim - VIVER.

Deixo uma citação de Maquiavel, uma de Benjamim Silva e fecho com Dante:

- "Não há mel sem moscas", diz Maquiavel.

Benjamim Silva? - "Pelos desvãos da escada, mal me erguendo / Já sem noção e sem a fé que anima, / Nem sei se vou subindo ou vou descendo... /// Por isso os seus extremos jamais acho: / Vejo degraus - olhando para cima, / Vejo degraus - olhando para baixo...".

Finalmente, DANTE, em A Divina Comédia, nos primeiros versos da obra: - - "Da vida ao meio da jornada,/ tendo perdido o caminho verdadeiro,/ achei-me embrenhado em selva escura./// Descrever qual fosse tal aspereza umbrosa,/ é tarefa assaz penosa,/ que a memória reluta em relembrar.../// Mas, desejando celebrar o Bem que ali encontrei,/ também direi a verdade sobre as outras coisas vistas".

(É só... por enquanto, digo eu. - Sou, há bom tempo, membro da Academia Cachoeirense de Letras - ACL. Ocupo a cadeira nº 21, cujo patrono é Jerônimo Monteiro. Deu-se que a Academia me pediu umas palavras filmadas com as informações acima, pedido que me chegou em forma de roteiro. Fiz a filmagem. Ao fim, o resultado me pareceu uma crônica - por isso ela está aqui).

 

80 Anos de Roberto Carlos

Roberto Carlos completa 80 anos bem vividos nesta semana. Para comemorar, nada melhor do que saudá-lo com essa foto, década de 1970, em plantio de árvores próximo á Fábrica de Cimento Itabira, iniciativa do então Prefeito Theodorico de Assis Ferraço.


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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