Imposto Sobre a Vaidade - Jornal Fato
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Imposto Sobre a Vaidade

No jornal O CACHOEIRANO, de 03 de agosto de 1903, publicou-se matéria oficial da Prefeitura de Cachoeiro


No jornal O CACHOEIRANO, de 03 de agosto de 1903, publicou-se matéria oficial da Prefeitura de Cachoeiro, com o obituário de julho daquele ano - relação das pessoas sepultadas no Cemitério Público do Coronel Borges, o mesmo que ainda hoje serve à cidade e que fora construído em 1883 e remodelado em 1886, quanto dirigente máximo da cidade o Dr. Gil Goulart.

Simples relação com nome de 15 pessoas - as mortas em Cachoeiro, em julho de 1903, está aqui, nesta página. Simples mas, como notícias, prenhe de informações... basta análise pouco mais aprofundada para ressuscitar histórias que, de outra forma, ficariam enterradas no tempo.

Além de relacionar os nomes das 15 pessoas falecidas, a matéria trazia suas idades. Cinco faleceram entre 3 dias e 5 anos de idade (33%), crianças, portanto; outras seis, entre 30 e 40 anos; pouco mais que jovens, e outras quatro, entre 65 e 90 anos, idosos.

O obituário publicado no jornal, trás as datas do sepultamento dos falecidos, ao lado do nome deles e vem assinado pelo administrador do cemitério do Cel. Borges, Americo Alexandrino Coutinho e Silva. Poderia ter ficado por aí e já cumprido sua destinação de informar.

Só que não!

Ao lado de 10 dos nomes dos falecidos trazia só o $, sem maiores informações. Outros cinco nomes traziam valor de 7$000 (três deles) e de 8$000 (outros dois). Intuí que 10 não pagaram. E 5 outros pagaram, uns pouco mais do que os outros.

Dúvida cruel. Dez deram calote? Cobrou-se diferente dos que pagaram, por quê?

Respondo; não tem dúvida. Os 10 que não pagaram eram pobres, covas simples, e os outros cinco, pagando (uns mais, outros menos) creio eram pessoas que não só podiam pagar como mandaram - seus familiares - erguer jazigos, mais ou menos elaborados.

Caramba, ou esse tal de Higner Mansur inventa histórias ou ele conhece muito de História. Nem um caso e nem outro. São coisas que aprendi naturalmente com um dos grandes cachoeirenses que conheci, Gil Gonçalves, o qual guardou grande memória da cidade, seja em mais de duas centenas de fotos anotadas uma a uma, com o que e quem cada qual continha, seja com uma seleta de textos originários, um deles o relatório do Presidente da Câmara (Prefeito de então), Gil Goulart, relatório que publicamos, em livreto fac-símile, em março de 1987 (32 anos passados e por ocasião do centenário do relatório de governo cachoeirense - 1883-1886 e da construção da Ponte Municipal - a capa está nesta página).

Veja o que está no Relatório da época e digam se estou errado:

  • "... vê-se que ainda não houve semestre algum sem déficit contra a municipalidade, o que responde às censuras que alguns têm feito às taxas funerárias, que julgam caras, quando é certo que só são elevadas em relação às carneiras, o que constituem um imposto sobre a vaidade, a benefício dos pobres a quem a Câmara concede sepulturas grátis e tão dignas como as dos que pagam covas comuns".

 

 

 

Uma História de "Seo" Gil

Corria um dia, um mês, um ano qualquer da segunda metade do Século XX, creio que 1989, e Gil Gonçalves, nos seus mais de 80 anos, e sua esposa, D. Lyzette, foram levar o adeus a um de seus inúmeros amigos, lá no Cemitério centenário do Coronel Borges, em Cachoeiro.

Passado o clima de despedida de amigo tão querido, "Seo" Gil e Dona Lyzette voltam para casa, a mesma casa em que moraram por décadas até se transportarem para o Oriente Eterno, vez que "Seo" Gil fora maçom.

Chegando em casa, preparando-se para descansar de tarde tão triste, Gil vira-se para D. Lyzette e diz: - "Lyzette, acho que não vou mais a enterro de meus amigos não!". Compreensiva, como sempre, D. Lyzette retruca: - "Eu sei Gil, você fica cansado, não é?".

Aí é a vez de Gil Gonçalves retrucar: - "Não Lyzette, não é isso não! É que, quando saí do cemitério, passando pelo portão, notei que o coveiro ficou me olhando de forma esquisita. Acho que ele achou que eu estava fugindo do cemitério, de algum túmulo".

(Muita saudade desse amigo, grande benfeitor da cultura de nossa cidade, ao lado de seu inseparável amigo, também grande benfeitor, Newton Meirelles).

(Soube que uma das laterais do Cemitério Municipal desabou por esses dias e continua em risco. É verdade e, sendo, por que desabou?)

 

 

JULGAMENTOS

Escrevo sem me reportar a dicionários ou anotações, por isso as datas podem não coincidir. Cândido Mariano da Silva Rondon morreu ou no fim da década de 50 ou no início da década de 60. Eu o vi, vivo. Confesso que não tinha ídolos de farda. Depois tive, mas essa é outra história.

O Marechal Rondon rodou por praticamente todos os sertões e matas do Brasil. Ao morrer, era candidato ao Nobel da Paz.

Com seus ideais positivistas, ao mesmo tempo em que plantava postes por onde corriam mensagens do telégrafo, construía sua biografia, defendendo os índios brasileiros. (Mais correto dizer que ele, enquanto defendia os índios, plantava postes e, por isso, e porque os heróis se fazem no próprio trabalho, veio a se tornar a legenda que é).

Mas a burrice, companheira do radicalismo, me levava a desconfiar de qualquer militar. Com o preconceito, como ter um herói militar, mesmo Rondon? Afinal, estávamos no período pré-1964, quando as Forças Armadas se aglutinaram para jogar o Brasil no tempo das sombras (isso também é outra história).

Foi Darcy Ribeiro quem me salvou. Quando já comprava livros com o meu próprio dinheiro, um dia, na Livraria Âncora, aqui em Cachoeiro, comprei "Os Índios e a Civilização", volume da monumental obra de Darcy - O Processo Civilizatório - onde Rondon era colocado - com muita propriedade - no grau máximo da humanidade. (A narração inicial do livro, descrevendo o extermínio de índios, e cinematográfica e real.)

E Darcy Ribeiro era meu ídolo. Se ele podia, porque eu também não poderia admirar o trabalho de Rondon? Nesse dia joguei pela janela todas as razões de julgamento das pessoas, e me contento e sou feliz em apreciá-las só pelo sentimento.

Algumas vezes não sou compreendido. Que pena!

(Este texto, publiquei-o pela primeira vez em 17 11 1997 - 22 anos passados - e não mudo uma vírgula dele. Nesta semana doei à excelente Biblioteca Pública Professor Deusdedit Baptista, da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, cinco livros históricos de e sobre o Marechal Rondon, sendo quatro do Senado e um da Fundação Banco do Brasil. Recomendo a leitura de todos, todos fartamente ilustrados).

 


Higner Mansur Advogado, guardião da cultura cachoeirense e, atamente, vereador

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