GUILHERME GUIMARÃES

O cidadão em pé, frente ao balcão. Ali atende milhares de pessoas.

05/01/2022 09:16
GUILHERME GUIMARÃES /Ilustração: Zé Ricardo

1946. O cidadão em pé, frente ao balcão. Ali atende milhares de pessoas. Dali observa muitos outros milhares que passam pela calçada. Quase todos calçados. De cada um conhece os pés, o número do sapato, o modelo, o que gostaria de usar e não pode, porque é caro ou porque ?o que é que os amigos vão falar??.

Quantos hoje, quantos amanhãs! Hoje cedo um novo cliente. Amanhã, em hora diversa, outro deixará de vir, encantado pela propaganda da nova loja que abriu. Que, tempos depois, cerrou definitivamente as portas.

O calçamento de ontem é o asfalto de hoje. Vêm notícias de que a rua (Capitão Deslandes) será só de pedestres. Depois, que a calçada será alargada... ou diminuída. Outras mais. Eleições se sucedem e planos de governos, certos, não se realizam, ou não dão certo. Tudo passa e muda. O cidadão continua lá, de pé, frente ao balcão.

A alma humana transita e se modifica. Opiniões definitivas de então, transformam-se vagarosamente, quase despercebidas. Mudam substancialmente. Não o cidadão de pé, frente ao balcão.

Cinquenta anos acompanhando os pés. Em silêncio algo cúmplice, conhecendo o que vai pela cabeça que comanda o andar. Incrível e verdadeiro que dele, Guilherme, não se tenha nenhuma má lembrança ou informação que comprometa. Cinquenta anos no mesmo lugar, com a mesma paciência. No máximo, talvez turrão para os mais novos, se não o conhecem. Não é história. É verdade. O cidadão vive. Aqui.

1996. De pé, frente ao balcão da mesma loja A PRINCIPAL, vendo pessoas chegarem e partirem. Paciente e digno. Paciência do homem justo. Dignidade do verdadeiro comerciante, aquele que não é boca, mas olhos e ouvidos. E cumpre seu mister.

O cidadão é GUILHERME GUIMARÃES...

(Crônica minha, publicada em 1996, quanto Guilherme Guimarães completou 50 anos de sua loja A PRINCIPAL, e foi mui justamente homenageado pela Câmara Municipal de Cachoeiro, pelas suas altas qualidades, como CACHOEIRENSE PRESENTE daquele ano).

 

 
 

A Grande Conta Chegará

Agora que a imprensa nacional mostra tantos municípios e cidades mineiras e baianas literalmente afundadas e afogadas na água dos seus rios, rios que subiram e invadiram ruas e casas de moradia; agora que notícias tais e quais ameaçam tornarem-se permanentes em todas as regiões, e na região Sul do Espírito Santo, e em Cachoeiro de Itapemirim, será que não será a hora de nós cachoeirenses nos aprofundarmos mais na matéria?

Será que não será a hora de verificarmos que temos de agir com responsabilidade e que não adianta só ficar olhando fotos antigas e outras de menos de dois anos, mostrando Cachoeiro no fundo do rio, com tanta gente perdendo lares e tanta gente perdendo não só emprego como as próprias empresas?

Será que não será hora de verificarmos que não adianta a nós, que não entendemos da ciência, ficarmos só no palpite, e sim passarmos a exigir respostas mais concretas, de gente séria e responsável?

Começo por perguntar: - Serão mesmo as barragens a montante das cidades vizinhas as grandes responsáveis pelos alagamentos que vem se repetindo nos últimos anos, em nossa região? Será que só por ?ouvir dizer? podemos reconhecer essa realidade (ou falsa realidade?). Ou temos que ter moral e coragem de exigir estudos de quem levantou as barragens e, principalmente, de quem as aprovou?

Digo assim, vez que, ainda que barragens possam ter sua culpa, a mim coube entender que barragens são muito mais perigosas sim, mais perigosas aonde estão construídas. Mas o que está à jusante, a distância maior delas, pode ser que o prejuízo não seja tanto. Não estou afirmando e nem negando, só quero que os beneficiários (empresas ou governos) apresentem estudos técnicos que as isentem ou as condenem pelo crivo da seriedade e não da informação maldosa, inconsequente, ou de analfabetos de plantão.

Agora, o que não precisa mesmo de maiores informações, é o fato de que 99% das invasões das enchentes em casas, comércios e outros imóveis é que elas e eles foram construídos abusivamente em cima do Rio Itapemirim, locais que o maior analfabeto sabe não deveria ser construído, seja por que se deixa de cumprir a lei. Ou seja por que se deve à corrupção, seja porque é simples assim ? basta observar com atenção, sem interesse econômico-financeiro, com interesse específico na coisa pública e na proteção do próximo, tantas e algumas vezes explorado pelos irresponsáveis e/ou bandidos do urbanismo aplicado, ainda que nem sempre.

Agora que a estação das chuvas parece se aproximar de Cachoeiro, é bom que o cidadão decente e o político honesto comecem por revisar as práticas de só reclamar quando a ?merda? chega, quando a água imunda inunda, quando a cidade empobrece e muito mais.

Com essas palavras amadoras, mas não irreais; com essas palavras que podem estar antecedendo um dilúvio próximo, convoco os cachoeirenses a pensarem nisso com seriedade e não com o dinheiro que lhe entra ou entraria no bolso se agissem com desacerto ecológico e antinatural.

Vamos esperar, então.

Se em 2022 não vier a grande destruição, pode estar significando que ela virá em anos posteriores, com consequências muito maiores, vez que, ano a ano, aumenta nossa dívida com a Natureza, a mesma Natureza que Deus nos deu e que um dia cobrará com juros e correção monetária. E é preciso não se esquecer das casas irregularmente construídas às bordas dos morros cachoeirenses ? matéria para o futuro.

(As fotos da página são da enchente de janeiro/2020, retiradas da internet).