Não falo dessa administração, nem da anterior, nem das anteriores, nem de qualquer administração. Nem falo de cultura, falo de comércio, se conseguir me aguentar até o fim desta crônica doida e doída.
Cultura é para gente que só sabe fazer cultura, que quase nunca sabe ganhar dinheiro e, quando ganha, na maior parte das vezes, é pura sorte ? acertou no milhar. E comércio é coisa para gente que pensa alto, sabe ganhar dinheiro, e muito, e quando se mistura com poder público, sai de baixo ? sabe de tudo, dá volta em tudo, se enriquece por entender do riscado, sabe se organizar: - economia, dar a volta por cima, contabilidade e empresas registradas na junta comercial é com eles mesmos.
Quase sempre, quando a administração pública não entende do riscado, é que quase só se apresentam na coisa cultural os do comércio. Se contar em dinheiro, a diferença do comércio para a cultura aumenta muito; provoca fosso e distância inimagináveis ao assalariado e ao medianamente remunerado pelo serviço do dia a dia.
Por esses motivos, e por outros também, é que são contratados pela administração pública ? quase toda ? grandes eventos de muita raiz comercial e pouca raiz cultural.
Particularmente discordo que shows do comércio sejam pagos pelo Poder Público, mas admito ? e muito ? que o gestor público ceda ? sem pagamento ? seus espaços como o Parque de Exposição da cidade. Ao fazer, abre espaço para o comércio explorar a atividade comercial, tanto de comida e bebida, como de show comercial que ? geralmente ? não consta do programa registrado de nenhum governo municipal, ainda mais quando o governo tem carimbo da cultura, carimbo que se deu antes das eleições e que, por isso, deve ser respeitado.
Sobram, então, os quase inexistentes shows e apresentações verdadeiramente culturais, e aí se encaixam os ?pobres? artistas locais que, geralmente, não têm registro comercial e legal, de forma que possam ser contratados pelo município. Esquece o município que, tal qual saúde, educação, bom urbanismo, também a cultura é obrigação municipal.
Agora mesmo a prefeitura está ensinando crianças a tocarem violão. Lindo; aprovo totalmente. Só que, na realidade, a maioria das crianças e jovens que vão aprender tocar violão são pobres, senão paupérrimos e, quando chegar o momento de eles ganharem seu honesto dinheirinho da municipalidade, ela esquece disso,vez que a eles só se ensina (quando ensina) o toque do violão. Lições de organização comercial e burocrática, isso não é ensinado ? eles têm é que pegar duro no serviço manual. Que peguem, mas é injustiça (talvez covardia e incompetência da autoridade pública) que a eles não se dedique o governo em facilitar a organização deles e que os possibilitem a se apresentar mediante pagamento do Município, quase sempre miserável, diga-se logo.
Já ?grandes? e grandes artistas ganham zilhares de reais e sempre haverá quem os facilitem alcançar os píncaros do dinheiro público, que é meu e seu, caríssimo leitor.
Cultura: Formação de Público
Na semana passada tivemos em Cachoeiro diversas e ótimas manifestações culturais, boa parte dela com intermediação da Secretaria Municipal de Cultura. Faltou público.
O excepcional show musical do Duo Vieira (Rebeca Vieira é cachoeirense) não conseguiu mais que 80 pessoas, se tanto, na apresentação. Um dia iremos recordar a oportunidade que os cultos da cidade perderam ao não assistir ao show.
O trabalho do Luiz Carlos Cardoso, cercado por gente cachoeirense da cultura da melhor qualidade, quase passou em branco também ? não mais que umas 20 pessoas assistiram a ele, no dia em que estive lá, na Casa dos Braga. (Era parte do 6º Festival de Leituras Dramáticas Capixabas, dirigido à literatura e às artes cênicas). Nesse dia quem se apresentou foi a excelente escritora cachoeirense Milena Paixão, atualmente radicada no Chile. Celebravam-se, ainda, os nove anos do Grupo Anônimos de Teatro.
Já o show em homenagem ao ?Pingão?, fugiu um pouco aos poucos números, e chegou a cerca de 100/120 pessoas participantes (não estive lá, me informaram).
O Bernardino Monteiro, chamado de palácio, e deveria ser CENTRO CULTURAL: - na sala Levino Fanzeres, tivemos exposição de pintura da artista cachoeirense Paula Bastos ? ?Emersão?, o título da exposição, curadoria de Isabel Cristina Bastos. Quando assinei a lista de presença, no dia da abertura, talvez tenha sido eu o último a fazê-lo, éramos apenas 12 assinantes.
Tudo de alta qualidade cultural, com baixa frequência da sociedade. Vê-se claramente que não será só apresentando, eventualmente, produções culturais de alta qualidade que iremos recuperar o prestígio da cidade, na área cultural.
Foi uma semana excepcional, sim, mas é preciso cuidar urgentemente da formação de público para aumentar a frequência nos eventos culturais da cidade ? e todos eles, aqui referidos, ou eram de graça ou de baixo custo o ingresso. Precisamos conversar sobre formação de público na Cultura de Cachoeiro.
O Verdadeiro Amigo do Governante
Monteiro Lobato
O verdadeiro amigo de um Chefe de Estado não é o que anda com retratinhos dele na lapela, mas sim o que desassombradamente o adverte dos crimes cometidos em seu nome. Se houvesse no Brasil cem homens que, em cem setores diferentes, se dirigissem ao Presidente com a brutal crueza deste detento, o Presidente estaria sempre a par do reverso da medalha ? e poderia agir sem erro, tirando com segurança a linha média do Bem Público.
Sumiço da Homeopatia
Monteiro Lobato
(Fuga da Família Imperial de Portugal para o Brasil 1808 ? breve descrição)
No lufa-lufa do embarque em Lisboa muita peça se quebrou, outras caíram no mar, outras ficaram esquecidas lá no palácio. Perderam-se, sobretudo, muitos parafusos e porcas, e disso veio que ao armar-se novamente, o Estado ficou meio bambo, frouxo de mancais e perro.
Entre as coisas avariadas pela água do mar apareceu a Urna ? a Urna das Eleições! Remendaram-na como puderam, mas nunca funcionou a contento nas terras do Brasil. Algo essencial se perdera na travessia.
Dois frasquinhos de drogas homeopáticas ninguém descobriu onde pararam: um com a Noção de Dever, outro com a Noção de Responsabilidade.
(Monteiro Lobato, desnecessário dizer, é dos maiores escritores brasileiros. Escrito na década de 1940, os textos mostram bem que o dever e a responsabilidade de há muito não são pontos fortes do eleitor brasileiro. Texto retirado do livro de sua autoria, ?Ideias de Jeca Tatu? ? Ed. Globo ? já os publiquei antes, mas repito, aqui e agora, vez que, por aqui, tudo muda para ficar no mesmo lugar).