Conexão Mansur: Personagens de Nossa Terra

Já publicadas, nesta Conexão Mansur, 12 delas; aqui vão mais três, de números 13 a 15

20/08/2024 07:59
Conexão Mansur: Personagens de Nossa Terra /Ilustração: Zé Ricardo

Continuo republicando as pequenas biografias cachoeirenses que intitulei ?Personagens de Nossa Terra?, publicadas a partir de maio de 2006, a pedido de Joacyr Pinto, na revista 7 DIAS.

Já publicadas, nesta Conexão Mansur, 12 delas; aqui vão mais três, de números 13 a 15.

 

(13)  JOÃO MOTTA

De todos os homens de letras de Cachoeiro, João Motta, nascido a 04/05/1881, certamente terá sido o mais injustiçado, daí, talvez, ele ter tido o ?azar? de ser o nº 13 desta série de Personagens de Nossa História.

Filho de Frederico Vieira da Motta e de Joana Rita Vieira do Nascimento Motta, um casal de padeiros que veio de Itapemirim, João Motta nasceu pobre e morreu na boemia. Morreu aos 32 anos, em 14/02/1914, não sem antes colocar em sua poesia não só ternura, mas ?a revolta do homem socialmente discriminado?, como diz Evandro Moreira. ?Um filósofo... ?apenas? poeta?, assim foi carinhosamente distinguido por Newton Braga.

A maior parte de seus versos se perderam, inclusive aqueles que alguns amigos juntaram e pretenderam, logo após sua morte, colocar em livro. É o grande mistério da literatura de Cachoeiro. Perderam-se os versos ou apropriaram-se deles? Ninguém fala sobre o assunto. O importante jornal Cachoeirano, no seu primeiro número de 1917, menos de três anos da morte do poeta, levantou o assunto em matéria hermética, mas incisiva. É o historiador Evandro Moreira quem conta: ?Embora a campanha tenha prosseguido por vários meses, arrecadando mais dinheiro e recebendo doações diversas, nunca se soube qual o montante arrecadado nem o seu destino, pois não houve a publicação do livro, cujos originais, levados para o Rio, teriam desaparecido, e, segundo consta, oficiosamente, apropriados por outrem?.

Importa muito saber a verdade desse mistério ? ou do segredo de alguns. Mas importa muito mais saber que o poeta se salvou do esquecimento pelo seu ?Evangelho do Ódio?, soneto que seria assinado ainda hoje, tão atual ele é: ?Antes de o sol nascer já sofre o pobre / o rigor do patrão à voz do mando / e ninguém, por desgraça, lhe descobre / no rosto triste a lágrima rolando. / E quando a sombra a luz solar encobre, / sob o jugo do rígido comando, / da própria mágoa a vida deprecando, / inda trabalha, inda produz o pobre. / Exausto, à volta do trabalho, em casa, / sua alma de revolta se extravasa / ao dizer o seu lúgubre episódio... / O mísero espoliado os dentes rilha / e, na dor da família maltrapilha, / ensina aos filhos o Evangelho do Ódio?. É, o mundo não mudou desde João Motta!

 

(14)  FRANCISCO ATHAYDE

O Coronel Francisco Alves de Athayde, o ?Chico Athayde?, como era conhecido, nasceu em 03/12/1884, em Rio Novo do Sul. Filho do Coronel Estanislau Borges de Athayde e de Maria Joaquina Alves de Athayde. Casado com Maria Assunção Athayde, filha do Coronel Borges; tiveram nove filhos; sete atingiram a maioridade e foram personagens importantes em Cachoeiro: Professora Herta, Carlos, João (líder político), José, o historiador Hélio, que publicou romance contando a saga dos Athayde, Targino e a professora Dayl Athayde. Fazendeiro e tabelião, deputado estadual e vice-governador do Espírito Santo (Governo Jones dos Santos Neves). Faleceu em 23/11/1961.                  

Sétimo prefeito eleito do Município (1927/1928), com apoio de Bernardino Monteiro. Reeleito para 1929/30 (é o primeiro prefeito reeleito), deixou o governo com a Revolução de 1930. Na sua posse (23/05/1927) disse: ?resistirei aos que pretenderem favores pessoais com prejuízo para os interesses do município, cujo patrimônio procurarei zelar corajosamente?. Ciente das parcas finanças municipais, disse: ?quando não puder fazer muito, procurarei os caminhos mais fáceis para as realizações mais modestas de real proveito para os meus jurisdicionados e Deus me ajudará?. Como prefeito, instalou o distrito de Conduru e sancionou a lei que criou o de Pacotuba.

Dele, disse outro importante personagem (Ciro Vieira da Cunha), depois de listar suas 54 obras, em dois anos: ?Francisco Athayde foi reeleito prefeito de Cachoeiro de Itapemirim. Ato de verdadeira justiça. Uma consagração merecida. Consagração do trabalho. Do esforço. Trabalho honrado. Esforço inteligente. Não fez administração com retratos em jornais. Nem com banda de música à porta. Fez administração de verdade. O povo viu o que ele realizou. Não ouviu dizer. Ficou satisfeito. O povo é São Tomé. E faz muito bem?. Segundo o Professor Maciel, as obras foram feitas ?sem qualquer auxílio federal e estadual? e ?com recursos próprios do município e, às vezes, do bolso do prefeito?.

Durante seu governo, patrocínio da prefeitura, foi publicada uma das mais importantes obras da nossa história, o livro ?Município do Cachoeiro de Itapemirim ? Suas terras, suas leis, seu progresso, sua gente?, do Professor Domingos Ubaldo Lopes Ribeiro, secretário da Prefeitura. Consultadíssimo até hoje.

 

(15) KLEBER MASSENA

Kleber Massena Andrade nasceu em Cachoeiro, em 01/04/1908, filho de pais fluminenses. Casou-se com D. Joana Maria Massena Andrade, com quem criou os filhos Citália, Cidalva, Pedrita, Clélia, João Kleber, Francisco e Marinelza. Faleceu em 29/03/1996.

Em entrevista ao jornalista Luzimar Nogueira Dias, em 1985, disse: ?comecei a estudar no Grupo Escolar Bernardino Monteiro, recém-inaugurado. Minha mãe precisava colocar tiras de pano nos meus pés para poder ir ao colégio. A professora Arabela dizia: ?não meu filho, volte só quando ficar bom dos pés?. Essa foi uma das partes da vida que mais senti, porque era uma criança carente de tudo. Minha mãe botava aquelas tiras nos pés pra dizer que estavam machucados. Só pra fingir. Eu não tinha sapato mesmo?.

Entrou para o Partido Comunista em 1945, partido que considerava ?um partido consequente?.

Na minha geração, principalmente no período em redor do regime militar (1964), Kleber Massena era uma incógnita. Mais que isso: enigma. Cabelos embranquecidos, era pessoa dulcíssima, extremamente agradável. Atencioso como ele, só Newton Meirelles. Espiritualista (achávamos que era espírita) e, ao mesmo tempo, comunista. Com todas qualidades, sempre corria notícia verdadeira de que ?Seo? Kleber fora preso e, com ele, boa quantidade de ?agitadores?. Esse o enigma: como pode homem tão bom ser preso?

Em artigo para A GAZETA, 11.10.1993, o Eng. Sérgio Misse também relata perplexidade. Sua família era vizinha da de ?Seo? Kleber, e ele ficava apavorado de saber-se vizinho de um comunista, ?inimigo da igreja?, descrente de Deus e que, como todo comunista, devia ?comer criancinhas?. Mas, diz Sérgio, a família de Kleber Massena ?tinha enorme espírito de união, era solidária com as outras pessoas, dedicava muito amor ao próximo, trabalhava de sol a sol, confiando na força do trabalho, acreditava no futuro do país, era justa e de boa vontade?.

Lição maior de Kleber Massena: o menino que disfarçava a pobreza, venceu. Não foi intolerante e nem se vingou da sociedade. Ao contrário, dedicou-se a ela e aos mais necessitados. Mostrou que católico, protestante ou ateu; comunista, capitalista ou indiferente, nada tem importância ?se a alma não é pequena?.