Conexão Mansur: Fatos e Lendas

As explicações lendárias da história sempre serviram como tardias correções de fatos e eventos reais.

15/12/2022 08:36
Conexão Mansur: Fatos e Lendas /Ilustração: Zé Ricardo

Hannah Arendt, importante pensadora alemã, quando tratou das lendas, que são, aproximadamente, o mesmo que o termo ?versão?, no sentido que eu o abordo, escreveu uma belíssima página. É a melhor explicação de como o mito ou a lenda, ou a versão, se transforma em verdade, e de como a ?mentira?, às vezes, não é mentira, pois é algo além da verdade. A página de Hannah Arendt é a seguinte:

?As lendas sempre influenciaram fortemente a feitura da história. O homem, que não tem o poder de modificar o passado, que herda as ações alheias sem consulta prévia, e sente o peso da responsabilidade resultante de uma série infinita de acasos e não de atos conscientes, exige uma explicação e uma interpretação do passado, onde parece esconder-se a misteriosa chave do seu destino futuro. As lendas foram o alicerce espiritual dos povos antigos, uma promessa de guia seguro para a vastidão do amanhã. Sem jamais relatar fielmente os fatos, mas expressando sempre o seu verdadeiro significado, oferecem uma verdade que transcende à realidade, uma lembrança além da memória.

As explicações lendárias da história sempre serviram como tardias correções de fatos e eventos reais, necessárias precisamente porque a própria história iria responsabilizar o homem por atos que ele não havia cometido e por conseqüências que não tinha previsto. A veracidade das lendas antigas - aquilo que lhes empresta uma fascinante atualidade muitos séculos após a destruição das cidades, impérios e povos a que serviram - estava na forma a que eram reduzidos os fatos passados, para ajustá-los à condição humana em geral e a determinadas aspirações políticas em particular. Somente através das narrativas francamente inventadas, o homem consentia em assumir a responsabilidade pelos acontecimentos e em considerar os eventos passados como o seu passado. As lendas davam-lhe o domínio sobre o que não fora obra sua, e a capacidade de lidar com o que não podia desfazer. Neste sentido, as lendas não são apenas as primeiras lembranças da humanidade, mas também o verdadeiro começo da história humana.?

Quando, no entanto, Arendt falou sobre a verdade imposta, disse: ?a persuasão impositiva e a violência podem destruir a verdade, mas jamais poderão substituí-la.?

Não parece, pois, devamos temer o poder da versão, mesmo que ela supere os fatos, pois será ela, se não for persuasão impositiva e violenta (instrumentos do poder e do status quo), o único poder que os que não detêm poder possuem.

E já que estou indo longe em citações, não custa relembrar nosso companheiro de jornal, Sérgio Garschagen, que lá pelo ano de 1970, lançou, na FAFI, o jornal nº 1 e único, o ?Castigat ridendo Mores? (Rindo, castiga os costumes) ou, numa tradução mais livre que me ensinaram, ?Rindo, dizer a verdade.?

Pois é essa a função da versão, da lenda, e do mito. Permitir àquele que não tem poder ou posse, rir do ridículo do que tem, enquanto a cova rasa não se incumbe de igualar todos, na eternidade que é a ante-sala do juízo final.

(Crônica publicada em 03/01/1998, próxima a completar 25 anos de publicação ? repito-a, dada sua atualidade).

 

Proposta para o futuro Prefeito (1)

Conforme me prometi há algum tempo, iniciaria a escrita e publicação de textos com sugestões para o próximo prefeito de Cachoeiro (e de outros municípios também) executar e colocar nos seus programas de governo. E podem ser aproveitadas nas atuais administrações.

E a primeira proposta é esta:

- CULTURA ? Com frequência, o Município organizará reunião na Praça Jerônimo Monteiro (e noutros locais) com estudantes e leitores, ocasião em que cachoeirenses com domínio na área de leitura de qualidade, fariam leituras de obras de autores cachoeirenses consagrados, discutindo e orientando, a seguir, os cidadãos que tiverem ouvido a leitura e os pontos fundamentais. Modo sério, importante e efetivo de ensinar aos leitores e aos futuros leitores cachoeirenses e quem mais passar por ali.

E, se quiser, o que recomendo muito, tal proposta haveria de ser reproduzida noutros bairros, onde escolas municipais (principalmente), mostrassem interesse.

Aprendi isso lendo livro de Eduardo Sterzi, que me ensinou coisas de leitura, de Dante, e de Florença que não imaginava existissem - 950 anos passados (como é vasta a minha ignorância!).

Dante Alighieri, autor de A DIVINA COMÉDIA, das maiores obras literárias do mundo, nasceu em Florença (Itália), e morreu no exílio em 1323. Fugira de sua cidade anos antes, em função de brigas políticas, ocasião em que os ?donos? da cidade o condenaram à morte.

Posteriormente, os ?donos? propuseram a ele renegasse o que havia dito anteriormente, e sua condenação seria perdoada. Ele não aceitou, vez que a origem de sua condenação era a verdade de sua fala e o pensamento de homem justo e correto politicamente. Não trocaria a verdade por perdão negociado dessa maneira. Morreu no exílio.

Eduardo Sterzi, em o ?Por que ler Dante?, demonstra que ?os próprios florentinos, que o haviam banido, não tardariam a reconhecer o seu valor. Pouco mais de 50 anos de sua morte, em 1373, a administração da cidade, atendendo a uma solicitação de um grupo de habitantes, contratou Giovanni Boccaccio, o autor do ?Decameron?, para ler e comentar a ?Comédia? publicamente?.

E continua Sterzi: ?Inaugurava-se, assim uma tradição que vem até hoje: a tradição da lecturae dantis, aulas com explicações detalhadas de cada canto do poema...?.

?A primeira das ?Esposizioni sopra la Comedia di Dante? (titulo com que seriam publicadas as aulas de Boccaccio) foi ministrada no dia 23 de outubro de 1373.... A audiência era formada sobretudo por gente do povo?.

Se se fizer isso por aqui, na Praça, com literatura de alto nível e com gente interessada em aprender e em ensinar, podemos dar salto grande na área da leitura e do conhecimento.

Pode dar, não. Dará.

 

OS DEZ MANDAMENTOS DAS ÁRVORES

1- Ama a Deus e todas as coisas da natureza como a ti mesmo.

2 - Não defenderás a natureza em vão, somente com palavras, mas por meio de teus atos.

3 - Guardarás as florestas e as matas virgens, pois tua vida depende delas.

4 - Honrarás a flora, a fauna, todas as formas de vida e não somente a humana.

5 - Não matarás.

6 - Não pecarás contra a pureza do ar, deixando que poluam o ar que a criança respira.

7 - Não furtarás da terra sua camada de húmus, raspando-a com o trator, condenando o solo à esterilidade.

8 - Não levantarás falso testemunho, dizendo que o lucro e o progresso justificam a destruição da natureza.

9- Não desejarás para teu proveito que as fontes e os rios se envenenem com o lixo e com a poluição.

10 - Não cobiçarás objetos e adornos, que para serem fabricados, exigem a destruição da paisagem: a Terra também pertença aos que ainda estão por nascer.

Retirado do livro ?EDUCAÇÃO AMBIENTAL para o desenvolvimento sustentável? ? Volume 7 (Meio Ambiente e a escola ? EMBRAPA)

Texto de Geraldo José Guilherme Eysink e de Giustavo de Angeli Ferreira.