Conexão Mansur: Banco dos Namorados

Aquele ou aquela que ali tenha vivido um romance, começo ou fim, ou ambos juntos, que tenha, ou não, tido um final feliz, nunca vai se esquecer dele

15/05/2024 09:52
Conexão Mansur: Banco dos Namorados /Ilustração: Zé Ricardo
 

O gostar de uma cidade ou do local aonde se viveu experiências particulares, ainda que comuns para o vulgo ou para quem não as viveu, vai muito além da simplicidade das coisas comuns, vez que viver experiências, conforme a experiência, vai muito além delas.

A experiência, melhor dizendo a vivência pela pessoa, em determinado tempo, vive muito mais no seu coração do que nos fatos acontecidos.

Quem olhar para o Banco dos Namorados, instalado no centro de Cachoeiro, no alto da Praça Jerônimo Monteiro, subida para a Câmara Municipal, talvez, em maior parte, terá visto apenas um longo banquinho antigo. Mas aquele ou aquela que ali tenha vivido um romance, começo ou fim, ou ambos juntos, que tenha, ou não, tido um final feliz, nunca vai se esquecer dele, vez que ali só bate o lugar comum quando se trata do amor dos outros, sendo lugar inesquecível, desde que seja o do amor próprio vivido.

Mais de uma vez escrevi sobre o Banco dos Namorados, local onde não namorei, mas vi, com olhos físicos, tantos namoros, tantas felicidades, às vezes lugar comum ? poucas vezes ? mas nunca um momento mal vivido, o qual não sirva para confortar a cabeça ou o coração ? e eu prefiro o segundo conforto.

E foi no facebook que achei assunto para esta pequena e ?despretensiosa? crônica, lá pelo meio do dia que findava, dia comum da semana.

Tendo colocado, lá no facebook, duas fotos do Banco dos Namorados, uma antiga e outra recente, apareceu-me amiga (que não vou dizer quem seja) que afirmou, por escrito:

- ?Recebi a aliança de noivado nesse banco, há algum tempo, mas não me casei, porém tenho boas recordações?.

Que bom que tenha vindo esse final meio que feliz, ou é final feliz? Creio que sim ? é final feliz, no caso.

Por tanto e por tantas lembranças, rogo que o Banco dos Namorados não saia nunca de lá, onde está a décadas e décadas, e que permaneça iluminando para sempre e sempre a memória e o coração do cachoeirense nato e os daqueles que se convertem amorosamente ao cachoeiranismo.

 

PEDRA & POESIA

(Esta crônica, abarcando nossa riqueza material maior, o mármore e sua proximidade com a cultura e o turismo, foi escrita anteriormente ao ano de 1998, e está no meu único livro publicado, o ?Retrato de um Ignorante, de dezembro de 1997, portanto próximo dos 27 anos. E a ?imagem de São Rubem Braga?, de que falo na crônica, está reproduzida nesta página, imagem guardada por mim, que sou apaixonada por ela).

 

 

Ora, durante toda a semana passada falei das pedras de Cachoeiro, das políticas do governo federal, das visitas ilustres que recebemos na Feira do Mármore. Tudo ao redor das pedras. A elas e a seus personagens não dei trégua. Por isso, nada melhor do que voltar a falar em ... pedras. Insistentemente. Insistência diferente, divulgando o observado no outro lado, face inversa. Lado e face da poesia.

Pois não é que me apareceu na Feira uma tal lojinha chamada Arte Sã, perdida entre tantas pedras e quantas máquinas. Entre panfletos, sons, gentes, bebidas, comidas, movimento. E não é que na tal lojinha avistou-se simpática camisa de malha branca. E na camisa a inscrição: ?Cachoeiro de Itapemirim - Esta cidade se faz com Pedra & Poesia?.

Penso que - ah, que não me perturbem os puristas e nem os argentários - penso que nenhuma atividade produtiva sobreviverá se nela não vier, como carne e unha, alguma poesia, que é o gosto pela coisa que se faz. Não acredito em sucesso duradouro na atividade comercial de uma região se com ela não vier entranhada na alma da população, dos artífices, dos produtores, uma paixão pelo produto, um amor e uma poesia pela coisa feita. Pois se o lucro é material, a sua permanência é feita de alma. Vide Carrara - ninguém se lembra daquela terra pelo lucro que produziu e sim pela arte que proporcionaram ao mundo suas imensas jazidas de mármore. Como, em vice-versa, nenhuma poesia, no mundo de hoje, se sustenta numa permanente pobreza. Aparece e fenece na falta de estrutura para sua divulgação.

Ganhei no ?stand? da Bahia belíssimo pôster colorido, com dezenas de reproduções em fotos dos melhores granitos da boa terra. Lindo pôster. Mas não seria tão Bahia, tão pedra, tão permanente, tão arte e poesia, se não viesse amarrado e envolvido por uma dessas conhecidas fitinhas de ?Lembrança do Senhor do Bonfim?.

Eu que não creio nessas coisas de fita, que tenho por ofício duvidar de certos santos, creio sim, creio que não haverá maior durabilidade nessas pedras tão duras, se elas não estiverem envolvidas nessa crença popular que se traduz numa simples fitinha verde, ainda que fabricada aos milhões.

Não posso, no entanto, deixar de retornar à Arte Sã, senão não poderia recordar da singeleza da minúscula ?imagem de São Rubem Braga? que lá encontrei. De óculos, de pé, de barro, pintado de branco, tão ou mais autêntico que muito santo importante que circula por aí, dizendo que faz milagre (No verso da imagem, está o nome do artista, Zé Andrade, e o ano da confecção ? 1997).

A grandeza das coisas não está no seu tamanho, como não está no seu preço e certamente nunca estará na ausência de poesia. Santo Mármore de Cachoeiro, sustentáculo de todos nós, orai por nós pecadores que estamos somente a explorá-lo e mal explorá-lo. Ilumine-nos a fim de que possamos tirar da dureza das pedras a beleza da poesia, como numa simples camiseta, ou numa fita verde do Senhor do Bonfim ou, ainda, na pequena imagem de ?São Rubem Braga?. Ora pro nobis e perdoai aqueles que não sabem que a alma e a poesia resistem (e residem) nos blocos de mármore e granito. Amém. (A Arte Sã era uma loja de arte e artesanato da Maria de Fátima, a Fafá).