Vaidosa com a vida - Jornal Fato
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Vaidosa com a vida


A vaidade caminha por vertentes mais esguias às que estamos acostumadas. Não é uma valorização de banalidades ou o que consideramos fúteis. Tudo bem, sei que existem pessoinhas que são como cascas, sem suco nenhum. Mas, usemos a vaidade a nosso favor.

 

Ela nos motiva a querer um lugar melhor ao Sol, nos faz acreditar que sempre é possível pôr os pés nas nuvens, reinventar a ordem da vida ou bagunçá-la por alguns momentos. Acreditar na sua capacidade, reconhecendo que precisa ser feliz é uma vaidade boa. Querer que a vida dê uns saltos e muitas piruetas, chegue com suas novidades desavisadas e avance algumas casas no jogo é redescobrir preceitos de vivência não sondados.

 

Nada de vaidades plainadas no raso, nos vácuos, nas frestas. Nada de vaidades que afloram nas metidezas diárias, nos homens amantes de seus corpos esculpidos nos treinos repetitivos, nas dietas previstas para que passeiem os corpos nas ruas e praias. Não nos abaixemos diante de uma vaidade sem perspectivas, de folhetim de novelas, de livros de autoajuda, de forma sem conteúdo, de desigualdades.

 

A vaidade deve ser garantia de sonhos adocicados em noite de lua cheia, em hora de encontro com o melhor dos homens ou vice-versa. Em data sem dia marcado, em risada que deixamos escapar do nosso mundo mais interno, das lágrimas que são cuspidas de nosso coração, do velejar de nossas emoções que dá um jeito de dizer, de olhar, de sair de nós.

 

Vaidade da boa é mais que busca de reconhecimento, de um querer a si pelos olhares dos outros. Assim, somos pegos pelo ego e suas armadilhas tão ardilosas. Apropriar-se dos valores alheios sobre nós e não tornar o mundo menos barato é anestesiar a vida. Torná-la, apenas, mais uma peça de sua decoração, objeto que perderá garantia. A vida é essência demais, é colorido em nuances e rabiscos, é prosa e poesia dançando no tempo e nos espaços, é gente que precisa desabrochar.

 

Quereria que minha vida não tropeçasse na vaidade sem partido, sem lado, sem gosto. Nada de sobrevivência aquosa, liquidificada, escorregadia, liquefeita, evaporada. Não quero sofrer de desmandos e desejos em retrocesso, não quero alimento sem tempero, discurso de espionagem ou em casulo, fala embrionária ou embriagada.

 

Minha vaidade - ou nossa - mora nos cenários mais bonitos, nas janelas que abro quando quero Sol, flores e passarinhos, nas tardes de descanso ao pé de mim e junto das certezas e dos pensamentos fugidios, nas noites que só desejo ver o céu sobressaltado, as estrelas irradiadas e a lua que sempre me chama para uma conversa intimista. Quero vaidade que acoberta receios e proclama que o melhor ainda não veio.

 

Simone Lacerda é professora.

cheirosensaiosepoesia.blogspot.com.br

 

 

 


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