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Não vai dar certo. Essa premissa dominava o pensamento da jovem senhora desde que se entendia por gente. Lembra-se que mesmo diante das brincadeiras de criança, sentia-se confrontada por tanta alegria e empolgação dos amiguinhos e sempre esperava que alguma coisa fosse dar errado. Era uma sensação estranha que não tinha condições de definir.

 

Desconforto misturado com medo, e necessidade desesperada da presença da mãe, vontade inadiável de estar no sossego do seu quarto, cercada de bonecas e livros por todos os lados.  Realmente era pequena demais para entender, mas a lembrança ainda deixava um gosto amargo na boca. De bom, apenas o fato de poder fazer pirraça e isolar-se em maiores explicações. Criança pode tudo. Pelo menos a mãe entendia assim.

 

A adolescência veio acompanhada de uma insônia impiedosa e uma inquietação que a fazia desejar, mais do que nunca, a solidão e a distância do convívio social. Levantava esperando o que daria errado naquele dia. A sensação era das piores.

 

Na escola, único local em que a mãe exigia sua presença, os amigos a suportavam. Essa era a impressão. Realmente a estranha no ninho, de pouca conversa, espinhas na cara e uma timidez patológica. Pensando bem, em qualquer lugar sentia-se fora do contexto. Peixe fora d´água mesmo.

 

Apesar disso era uma boa aluna, e a divulgação de suas notas sempre causavam surpresa na sala de aula, já que devia ser considerada uma idiota. O isolamento pelo menos servia para alguma coisa. Estudava muito e podia ler todos os seus livros. Uma média de três por semana. Virava as muitas noites insones dedicando-se a uma das poucas coisas que valiam a pena.

 

Na juventude, e ainda dedicando muitas horas aos seus livros e ao trabalho, descobriu-se viajando com seus personagens preferidos. Chegava mesmo a ter a ilusão de que as coisas seriam diferentes. Que tudo daria certo. Que seria escandalosamente feliz e que conheceria os países mais lindos do mundo. Que encontraria o amor da sua vida.

 

Mas ao sair de casa, voltava à realidade, a sensação de invisibilidade e insignificância se apoderavam dela novamente. Fugia ao seu controle. Era mais forte do que ela. Os olhares que recebia não eram encorajadores. "Não vai dar certo". A maldita frase que a perseguia desde sempre voltava com força.

 

Mas se tem uma coisa que a maturidade confere é a capacidade de fingir. Já balzaquiana resolveu dominar a arte de representar. Não aguentava mais o ostracismo. Pelo menos para consumo externo era uma nova pessoa, cheia de atitude e determinação.

 

Começou a interagir com os amigos do trabalho, a participar dos happy hours, a fazer novas amizades pelos barzinhos que passou a frequentar, bebia muito, fumava e não tinha mais hora para chegar em casa. A leitura foi ficando em segundo plano. Mas a sensação de que nada daria certo permanecia.

 

A necessidade desesperada da presença da mãe e a vontade inadiável de estar no sossego do seu quarto, cercada de bonecas e livros, e a boca amarga voltavam sempre com força total. Respirava fundo, ensaiava a última cena. Amanhã o palco a da vida a esperava e queria cumprir bem o seu papel.


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