Uma lição de vida - Jornal Fato
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Uma lição de vida


O filme britânico "Uma Lição de Vida" (ou O Aluno),que assisti recentemente, me lembrou o quanto admiro quem tem coragem de marcar posição, indo na contramão das tendências e de interesses pouco ortodoxos.

 

Aparecer em tempos de paz é fácil. Aplaudo quem fez isso em tempos em que a luta, ou a determinação e ousadia, foram os únicos caminhos para o alcance de objetivos maiores, mesmo que para isso muitos tenham sido torturados e mortos.

 

Basta lembrar o maior de todos os líderes, Jesus Cristo, que se levantou contra os abusos de poder político e econômico, e por isso foi "eleito" para morrer no lugar de um assassino. A maioria gritou em alto e bom som, com muita euforia, o "crucifica-o", optando por livrar Barrabás e condenar um homem bom, justo e sem pecado. Seu erro foi levantar a voz contra os poderosos e ficar ao lado dos excluídos.

 

Outros também pagaram alto preço. Além de Jesus Cristo, Zumbi dos Palmares, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, entre tantos outros, tomaram atitudes que os colocaram nas páginas da história.

 

Uma lição de vida retrata a história real de Kimani N'gan'gaMaruge, um queniano que fez todos os esforços para aprender a ler e a escrever aos 84 anos. Depois de muita insistência e inúmeras idas à escola primária, de uniforme infantil completo, conseguiu ser aceito. Em nenhum momento as crianças o rejeitaram.

 

Maruge era um homem que vivia em extrema pobreza, apesar de ter um passado de lutas e resistência. A mulher e a filha foram assassinadas durante o conflito conhecido como Revolta dos Mau-Mau, que queriam libertar o país e seu povo dos linchamentos, estupros, castrações, assassinatos e confisco de bens e propriedades impostos pelos colonizadores britânicos(inevitavelmente Aleppo me vem a cabeça. Cadê nossos heróis que darão fim à guerra da Síria?)

 

O assassinato da família não foi capaz de fazer Maruge recuar. Ele não desistiu da luta nem abriu mão dos seus ideais. Ele foi capturado e torturado, mas resistiu bravamente. Pagou o tal alto preço. Essa Revolta Mau Mau, que durou 11 anos e terminou em 1963, foi fundamental para que os quenianos conquistassem a independência.

 

O filme me emocionou. Mais ainda quando vi o motivo de tanta determinação daquele guerreiro para aprender a ler. Ele recebera uma carta do presidente, mas não sabia o que estava escrito nela. Ele andava a pé para ir estudar, foi perseguido e tentaram intimidá-lo para que desistisse. Mas quem venceu uma guerra não se intimida com pouca coisa, e ele enfrentava a todos com sua borduna inseparável.

 

Maniqueísta ou não, o filme leva a reflexões que mostram que a luta é eterna, muda apenas de cenário e personagens, mas que a briga pelo poder político e econômico continua prejudicando o povo.  É preciso que pessoas sérias e íntegras se mobilizem, pelo bem de todos.

 

O filme mostra também que a Educação transforma as pessoas, e que estas mudam o mundo, como diria Paulo Freire. Basta acreditar. Maruge morreu aos 90 anos, não sem antes contar sua experiência de ser alfabetizado adulto numa Assembleia da Onu e em várias entrevistas. E de ler a carta em que o presidente o exalta como herói nacional. Já sei o que quero de presente de Natal. Coragem, determinação, ousadia e a pureza das crianças.


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