Um Dia Antes do Desespero - Jornal Fato
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Um Dia Antes do Desespero


Acordo com dor, mas sem conseguir precisar se dói mais no corpo ou na alma. Você não está aqui, e não há quem chamar. Só quando estou sozinha é que percebo que sinto falta de todos os que você afastou de mim.

 

Com alguns telefonemas e pesquisas nas redes sociais, não fica difícil descobrir onde se esconde dessa vez. Me arrumo com dificuldade, tento disfarçar o rosto ferido com alguma maquiagem e abasteço minha bolsa com itens estritamente essenciais para a missão.

 

Como quem adivinha, seguro o isqueiro quando ela, pessoalmente e com cara de quem não tem culpa de nada, abre a porta. Claro que ela sabia quem estava tocando a campainha, e claro que ela não sabia que eu trazia uma surpresinha. Foi um prazer inenarrável ver aquele cabelo pegando fogo, mas o prazer acabou quando você, furioso e desenfreado, saiu de dentro daquela casa. Vi minha morte e seus olhos, mas não tive medo. Te enfrentei como sempre, apanhei como sempre, e também como sempre não deixei barato. Durante todo esse tempo posso ser acusada de muitas coisas, mas, além de nunca ter te traído, nunca fugi do embate.

 

Traição, gritos, vizinhos, fogo e sangue só podiam mesmo resultar na chegada da polícia que, com certeza, ignora quem realmente precisa de proteção para interferir em algo tão  inofensivo como as brigas de nós dois.

 

Separados na delegacia, saio de lá depois de um sermão sem saber notícias suas. Ligo e não me atende, vago nas ruas vazia e não te acho. Mas sei que em algum lugar é em mim que você pensa, é meu corpo que deseja. Você me ama, embora às vezes não compreenda isso.

 

Certa do seus sentimentos, resolvo comemorar. Paro no primeiro restaurante e peço o seu vinho preferido. Aquele que você só pode beber com meu dinheiro, já que o seu não paga nem a rolha. Brindo, apontando a taça para o céu por pura ironia. Nenhum dos deuses está ao meu lado. E, abandonada por eles e por você, termino a terceira garrafa antes de cair no sono bem ali, sentada, machucada, bêbada e mais enlouquecida que nunca de amor.


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