Triste fim - Jornal Fato
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Triste fim


Algum tempo após inaugurarmos a Vila Aconchego recebemos um senhor, através de uma Prefeitura. Era morador de rua, tinha sessenta e três anos, com comorbidade grave nas pernas causadas por erisipela e falta de cuidados, estando elas tão inchadas e inflamadas que dificultavam sua locomoção. Foi-lhe dado um tratamento especial, como é dado a todos, e em poucos meses suas pernas já apresentavam aspecto dentro da normalidade. Todos se admiravam com a sua melhora, inclusive as pessoas da sua cidade que o conheceram anteriormente. Tinha como parente apenas uma prima, que não pode cuidar dele porque possuía um filho com deficiência.

 

Seu caráter era de uma pureza incrível. Estava sempre feliz, comunicativo, gostava de auxiliar aos outros companheiros, empurrando um andador, uma cadeira de rodas, atendendo com pequenas gentilezas. Era um homem bom e digno. Seu maior prazer era a televisão, sentia-se dono do controle da mesma e de vez em quando até o escondia. Adorava brincar, dançar, era participativo em todas as atividades. Acordava antes dos demais e já ficava diante da TV. Alimentava-se bem, cardápio normal supervisionado pela nutricionista, gostava de peixe e procurávamos atende-lo, fazia uso de poucos medicamentos e em todo período que esteve conosco não apresentou nenhum problema grave de saúde, apenas gripes ocasionais.

 

No início falava de saudade da sua cidade, depois já nem mais se lembrava. Quando completou sessenta e cinco anos consegui que recebesse o benefício de prestação continuada, adorava ir a bancos e a qualquer repartição pública, ficava muito falante e alegre. Eu era sua procuradora, me dava a mão quando andávamos nas ruas, como se tivesse medo de que o abandonasse.

 

E um dia nos chegou a triste notícia. A Prefeitura iria tira-lo para o levar para uma casa assistencial, esta pequena, distante, sem nenhum conforto, sem televisão. Foi triste para todos. Vieram busca-lo e ele saiu feliz achando que iria passear. Pensei em como alguns judeus se encaminhavam para os campos de concentração.  E após quatro meses recebemos a notícia da sua morte. Ele morreu de saudades.

 


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