Tempo, tempo, tempo - Jornal Fato
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Tempo, tempo, tempo


"E nosso amor, que brotou 
do tempo, não tem idade, 
pois só quem ama 
escutou o apelo da eternidade."

Drummond

 

Tenho percebido que meu dia não tem 24horas ou que eu não tenho conseguido dar conta de todos os compromissos. Estamos vivendo em remendos, na tentativa-  sem sucesso- de costurar o tempo às nossas necessidades. Lembro-me das conversas ao pé de minha avó e mãe, nas contações de histórias, e percebo o quanto o tempo era um personagem tão importante quanto os eventos ditos de forma sorrateira ou com um requinte de adjetivos.

 

O tempo ganhava peso e a intensidade das emoções era consolidada pela leveza das horas e das pessoas. Eram pessoas que se deixavam ir, permitiam que a vida tivesse outras nuances e invocavam, com precisão, a visita constante do senhor tempo.

 

Dado isso, fica perceptível lembrar de um famoso poema de Drummond, intitulado "Lembrança do mundo antigo", no qual temos a visão de um mundo que não mais é visto, um tempo que permitia as pessoas sonharem com mais maestria- não que não fazemos isso hoje- e que "cartas custavam a chegar e havia manhãs". Hoje, somos compelidos a cumprir a rotina de uma vida atarefada e que me parece sempre estar atrasada.

 

Há um pragmatismo em tudo, um utilitarismo desnecessário de atividades que nos afastam mais do outro e de quem somos realmente (nossa essência). A vida toma rumos descontroláveis e, quando estamos ensimesmados- raridade- percebemos que estamos sendo tomados e pouco restou de nós. Temos trabalho, relógio, hora marcada, e não temos a nós mesmos, nossa alegria em descompassos e vias contrárias.

 

Penso, muitas vezes, para onde seguimos; qual o motivo de engolirmos a comida e sapos e deixarmos para o próximo dia o que nunca faremos. Somos seres materialistas e esquecemos que o maior está no impalpável, nos deslizes e no incontável. Nisso, lembro-me de outro texto, da Marina Colasanti (a literatura sempre nos salva), "Eu sei, mas não devia", em que vamos nos acostumando, nos "enformando" para que tornemos a vida igual, não ultrapassemos o que nos é permitido, nos é, violentamente, dado.

 

Neste tempo desenfreado, vamos instituindo lugar as dores, mágoas, pois nos falta tempo para resolver ou sublimamos tudo para que ocupe o lugar devido sem grandes "perdas e danos". Cansei de ouvir do outro- e dos escapes da minha voz- que não há tempo, não há possibilidade por motivo maior. Vamos deixando de inaugurar momentos únicos e nem damos conta de lamentar ou só o que nos resta é a angústia de não conseguirmos segurar a corda, de danificarmos a esperança sem, ao menos, dar folga ao que nos sufoca.

 

O momento oportuno para uma conversa vai sendo guardado no armário, a risada desavisada subterfugia na vida do meio, escondida nos escombros, o abraço fica entre os papéis amontoados na mesa do escritório, a poesia, já presente em nós, fica a mercê de tantas escolhas e é deixada para depois. O amparo, o afeto, o querer bem, o que precisa ser dito e sentido vai se estendendo no vazio de uma hora que nunca chega ou só escapa de vez em quando.

 

O tempo, animal não domesticável, mistério que entremeia entre a vida e a morte, é o senhor de todos nós, sendo nosso braço amigo e aliado, como também o elemento que constrange nossas melhores memórias e devora nossas inconstâncias e importantes devaneios. Como não se lembrar de "Oração ao tempo (tempo, tempo, tempo)", de Caetano Veloso?  Como não evocar o tempo como o grande compositor de destinos; o grande movimento da nossa estrada vida?

 

A falta, a ausência, a permanência e o fluxo de tempo são traçados, reflito agora, de uma vida que, ao ganhar aspectos da pós-modernidade, abarca novas vertentes e manifesta outras transgressões. Nada é tão presente - e ausente - neste tempo.

 

Construímos a identidade sobre cenários sombrios, curvos, oscilantes e sem amparos. E, destituídos de sombra e mares calmos, somos impelidos a remar em correntes contrárias, a inventariar outras formas de vida e tempo. Mas, por favor, não esqueçamos que a vida se desprende fácil e não nos acovardemos frente ao relógio. Mesmo com o passar das horas, tenha um pouco de loucura na alma e não resista ao afeto. E que o tempo te espere!

 


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