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Tempo


Acordei com barulhinho de chuva e com o cheirinho de terra molhada das poucas plantinhas que ainda insisto em cultivar. Meu gato Mujica já estava pontualmente procurando vaga no meu travesseiro me mostrando que dali para frente era hora de levantar e trabalhar, enquanto ele assumiria o comando da cama quentinha. Em movimentos lentos e preguiçosos me arrasto e lembro da minha mãe dizendo que dormir demais é perder tempo. Que enquanto a gente dorme a vida acontece lá fora. Nesse momento eu discordo dela. A vida acontece em todo lugar, e uma ou duas horas a mais de sono seriam reconfortantes. Talvez, se eu pudesse dormir mais, acordaria de melhor humor. Perder tempo dormindo para ganhar qualidade de vida significa então que dormir não é exatamente perder tempo.

 

Mas o que é perder tempo, afinal? Uma amiga recém-separada me diz que perdeu toda sua juventude com um homem que não valia a pena. Fiquei assustada com a colocação. Eles viajaram, juraram uma eternidade que foi possível enquanto durou, foram felizes enquanto deu para ser, tiveram filhos, participaram de festas em família, tiveram o ombro um do outro em momentos difíceis. Não há tempo perdido quando uma história foi escrita. Foi apenas um tempo que acabou, mas que fez dos dois as pessoas que são hoje. Provavelmente melhores do que eram antes de se conhecerem.

 

Tem quem jure que abrir mão do torresmo, do chocolate, do pão quentinho e do pastel de queijo em busca do corpo perfeito é uma ótima maneira de perder tempo. Tem os que acham que abrir mão de um corpo escultural e entregar-se aos prazeres gastronômicos não é uma opção. Então o tempo é apenas uma questão de ponto de vista e das escolhas e prioridades de cada um. Há os que achem que horas dentro de um avião para se chegar a algum lugar é tempo gasto por nada, e outros, como eu, que passariam a vida inteira indo de lá para cá e daqui para ali em busca de novos lugares, pessoas e aventuras. O tempo é democrático, pessoal e intransferível. Perder ou ganhar está nos olhos de quem vê.

 

Para mim perder tempo é nunca ter visto o sol nascer sentado na areia, nunca ter se apaixonado, nunca ter chorado vendo um filme, nunca ter ouvido a mesma música repetidas vezes, nunca ter comido brigadeiro quente na colher, nunca ter tido pena de chegar ao final de um livro de tão bom que era o danado. Perder tempo é passar uma vida trabalhando sem prazer somente para pagar boletos que se acumulam e estar sempre cansado demais para celebrar o que quer que seja. Perder tempo é não molhar os pés no mar e nem entrar de cabeça em uma cachoeira. Perder tempo é ignorar os sonhos.

 

Tempo que passa é coisa que não volta. Importante é não desperdiçar com a pequenice das discussões sem fim e das picuinhas sem razão. Importante é fazer agora o que tem que ser feito, porque os noticiários, a vida e os fatos nos mostram todos dias que tempo de vida é coisa rara. O amor que você sente precisa ser declarado com urgência. Os abraços e beijos guardados nos nossos desejos precisam ser dados agora. O carinho, a companhia, o brinde, as conversas e os risos são para logo. Amanhã é um tempo que pode chegar. Ou não.

 

 


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