Temperos e prosas - Jornal Fato
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Temperos e prosas


Gosto de engolir, vorazmente, as palavras. Gosto de tocá-las, cheirá-las, mastigar com precisão, identificar seus gostos e inundar meu corpo e minha vida com elas. Elas permitem a saciedade, o descanso de meu apetite, embora tenha uma fome que não dissipa, não cala.

 

A gente pode se esbaldar com palavras que trazem conforto e alegria, palavras que nos confortam e nos afagam o estômago e a alma. Palavras de amor, de perspectivas, de amizade, de respeito nos alimentam, dão para encher nossos órgãos da vida. Ampliam nosso cenário de introspectivas e experiências externas.

 

Particularmente, gosto de mastigar palavras de imprecisão, incomuns, aleatórias, abundantes, polissêmicas, de fundura, daquelas que muitos não se arriscam. Estes preferem a permanência no raso, no domesticável, nas verdades que se alojam nas cascas.

 

Eu privilegio a comida aromatizada, de cuidados, de fino trato, bem disposta nas bocas de quem diz, nas mãos que deslizam para a escrita, para a tecitura dos fios poéticos, para a composição da melodia, para o afrontamento das prosas. Desejo alimentar-me, com gula, para que as palavras recriem meu espaço, equacionem o que parece insolúvel, pouco palpável.

 

Sei que, neste pecado, deixo de dizer e verbalizo demais o que nem sempre deseja acordar. Têm palavras que querem dormir, repousar em outras já inauguradas, ecoadas em dias de desassossego e penitência. Elas só querem descanso, mas sou excessiva.

 

Engulo, mastigo, aproprio-me, deixo abastar meu estômago e usufruir da minha corrente sanguínea. Permito que as palavras tomem conta de meu hemisfério, de meu corpo e sensações nem sempre purificadas. Elas exalam o melhor dos aromas, dos cheiros e gostos que se misturam e intercalam em minhas partes mais viscerais.

 

As palavras me consomem e me abarcam. Elas constituem o melhor dos meus apetites, o pior de minha fome, as verdades envelhecidas e as que acabam de nascer, o gozo ao saciar o desejo mais carnal e os imperceptíveis. Deste pecado, sacralizo e infernizo os melhores e os piores dias.

 

A fome que insiste pernoitar em mim. As palavras que me espreitam, me viciam e me fazem uma faminta por excelência. Elas habitam meu cenário em branco, preenchem meus pratos e minha existência, subvertendo os sentidos do que me traz paz, amor, casulo, ordem e poesia. As palavras desejam sempre mais. E eu também.


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