Tecendo-me - Jornal Fato
Colunistas

Tecendo-me


Por estes dias, tenho estado decepcionada. E como dói nutrir tal sentimento, como massacra tal constatação. Sei que a danação humana faz parte da minha alma, tão encharcada de sentimentos e emoções. Decepcionar-se faz parte de nosso crescimento, faz a gente costurar novos cenários.

 

Criamos perspectivas em relação ao outro, e esperamos receber aquilo que idealizamos. Mas, a alteridade faz parte da nossa construção. É ela que nos define como sujeito único; cultural, moral e histórico e eleva nossas potencialidades, tão especiais.

 

Esperar um presente tão desejado e não o receber acalenta nossa frustração, alimenta nosso vazio existencial. E, deste vazio, brotam sensações amargas, que nos envenenam lentamente e desfalecem nossas esperanças.

 

Muitos irão dizer: "faz parte da vida", mas não me atrevo acostumar com o que me acinzenta. Não quero conformar-me com a mesquinhez do homem. Sei, vou descosturando os preceitos idealizados e me aventurando nas realidades construídas nos intervalos dos dias.

 

Neste contexto, remeto-me à música de Cazuza, O Tempo não Para, continuando "disparar contra o sol", "correndo contra a direção contrária". Sabemos das incertezas humanas, mas acreditamos que venceremos as canalhices (eu continuo acreditando), as apatias emocionais e as ações que subvertem o respeito e o amor.

 

Ao escrever a letra musicada, Cazuza se encontrava cansado das mentiras, barbaridades, intolerâncias e injustiças. Doente, percebeu doenças maiores no outro; naquele que prefere virar o rosto, julgar, magoar a usar de gentileza e amor supremo. Poeta, Cazuza conseguia extrair as emoções, mesmo petrificadas nas pessoas, e ecoá-las para que pudesse estampar as mudanças imprescindíveis.

 

Decepções a parte, somos humanos que podemos vislumbrar além da paisagem da frente. Se as decepções doem, elas criam calos e nos tornamos mais fortes e maduros diante dos dilemas que todos os dias batem a nossa porta.

 

É, sem dúvida, o que nos machuca o responsável por nos garantir a sobrevivência entre as feras, já poetizava Augusto dos Anjos (Versos Íntimos). E ele estava certo! Em todos os cortes, as cicatrizes prevalecem. Não que eu esteja árdua e triste, pois, legitimamente, não estou.

 

Estou usando os cortes, as falhas e frestas para tornar a realidade e a razão mais perceptíveis, de fácil acesso em minha vida. Depois das decepções, sobram experiências, reflexões e matéria-prima para conversas das boas, para as costuras cotidianas e, ainda, render excelentes histórias. 


Comentários