Sobre o que me parece essencial - Jornal Fato
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Sobre o que me parece essencial


O texto não é inédito, mas é atual. Em tempos sombrios de exceção, retrocessos, ganância e sede de poder a qualquer custo, repeti-lo-ei (será por quê o arrepio ante a mesóclice?).

 

Mas passemos ao artigo. Entrevista do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que mora no que chamaríamos de barraco e anda num velho fusca, mesmo quando ocupava a presidência do país, levou-me a profundas reflexões. 

 

Para dizer a mais pura verdade, fui seduzida por suas palavras, a princípio óbvias, mas de difícil aplicação na vida real. "Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo apenas com o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade".

 

E aí decidi iniciar partir para o recomeço e carregar apenas o essencial. Mas fui invadida por dúvidas e aflições. O que é suficiente? O que é essencial? O quê fazer para ser sóbria e o quê colocar na bagagem para que ela seja sempre leve?

 

Ando em busca da respostas. Creio que ainda haja tempo. Sonhos são leves? E as dores que desconstroem, reconstroem e ressignificam? Ficam ou vão? Dos amigos da vida toda, quantos querem ir comigo em busca da sonhada leveza e liberdade?

 

Nessa viagem que pretendo sóbria, mas não pobre, lançarei novos olhares sobre velhos projetos, e sinceramente espero tempos mais modestos e infinitamente mais felizes.

 

É imperativo. Quero paz interior, a possibilidade de novas escolhas sem culpas nem arrependimentos. A firmeza de dizer não ao que me desagrada, a coragem de aventuras nunca tentadas.

 

Já percorri, nessas alturas, caminho relativo da vida e estou disposta a pagar o preço para tornar a bagagem mais leve. Sinto que valerá a pena. São minhas escolhas, libertadoras, mesmo que aparentemente tardias.

 

Novos cenários e roteiros inéditos já estão sendo escritos, ora com mãos ágeis, ora com traços lentos, mas no tempo certo de permitir a metamorfose que tanto desejo, com única e fundamental exigência: manter a essência.

 

Se a sinopse será perfeita, leve e promotora de paz e liberdade, sem necessidade de ajustes e correção, teremos que avaliar lá na frente, no segundo ato.

 

Outras dúvidas me invadem. Será que essa trajetória desejada, que provavelmente me tornará mais reclusa, fará minha ausência notada? Sentirei falta das coisas que voluntariamente pretendo deixar pelo caminho?

 

Aí me refúgio em Drummond: "Por muito tempo achei que a ausência é falta/ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo / Não há falta na ausência/ A ausência é um estar em mim/ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços/ que rio e danço e invento exclamações alegres/ porque a ausência, essa ausência assimilada/ ninguém a rouba mais de mim.

 

Quero estar em mim com a convicção de que não há falta na ausência. Talvez para sempre. Quem sabe por pouco tempo.  

 


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