Sinais - Jornal Fato
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Sinais


Eu devia ter percebido o presságio de perigo quando entrei no seu carro e você não usava cinto de segurança. Logo eu que coloco o cinto antes mesmo de fechar a porta do carro. Na hora era para ter acendido um alarme. E eu até acho que acendeu mesmo, mas fiquei tão hipnotizada com você me olhando fundo nos olhos que ignorei. Foi isso. Eu não deveria ter ignorado não, moço. Nós bebemos uma garrafa de vodca e eu só tomava uma taça de vinho suave no natal e ia dormir rindo do meu rosto corado por causa do calor que faz nessa época do ano e que não combina em nada com vinho. Essas tradições devem ter chegado antes do efeito estufa. E fumamos uns dois maços de cigarro enquanto você ria de mim dizendo que eu não sabia tragar. E não sabia mesmo. Eu que não passava nem na mesma calçada de um fumante dividi com você esse momento da farra com tabaco como se não houvesse amanhã. Tudo isso deveria ter mostrado que você não era para mim. Mas, alheia aos sinais, decidi que não havia perigo.

 

Os dias foram passando e ameaça passou a ser uma palavra cada vez mais distante. Eu já começava a me sentir a vontade com sua comida gordurosa que me fazia mal e eu insistia ainda assim nela porque você achava frescura a minha dieta sem gordura, sem açúcar, sem glúten e sem lactose. Abandonei minhas ervas e tentei curtir a era bacon a todo custo. Até a água que eu meticulosamente media os dois litros diários foi substituída por grandes goles de cerveja. Moço, eu nunca gostei de cerveja. Mas eu tive medo de perder esse abraço que se encaixou tão bem ao meu e por isso pensei em comprar um balde especial para beber. Um balde térmico.

 

Depois de tudo isso nada do que eu tinha feito servia mais, porque não foi pela bêbada insana que você se apaixonou. Foi pela mulher certinha que usava cinto e tomava vinho suave uma vez por ano. E agora que você foi embora não sei mais quem eu sou. Nem sei de que música gosto. Não posso sofrer sua ausência com trilha sonora porque perdi minha identidade.

 

Não vou mais te pedir para voltar porque também estou cansada disso tudo de vai e volta e telefona e procura e se esconde. Não sei se quero ser o que eu era ou que eu sou agora, mas isso vou decidir sozinha. Agora me dá licença que vou ao supermercado comprar vinho, cerveja e vodca. Enquanto decido quem eu sou vou brindar a quem fomos nós.


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