Sem primavera e sem poesia! - Jornal Fato
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Sem primavera e sem poesia!


Há duas semanas, vivi o pior dia da minha vida. Como todos os dias, acordo bem cedo e chego depois das dez da noite em casa, após um longo dia exaustivo de trabalho. E, no dia 26 de Julho, não foi diferente. Iniciando mais uma jornada, tive um embate que não desejaria que ninguém passasse: fui assaltada.

 

Às sete da manhã, sofri um assalto à mão armada na cidade que adotei desde 1992 como minha de coração, mas que, ultimamente, vejo sendo, constantemente, massacrada por marginais e ausência do Estado.

 

Uma arma apontada para sua cabeça! Sim, foi a mais desprezível sensação de minha existência. Senti-me impotente, invadida, suja, incapaz de impedir uma ação grotesca de um indivíduo que resolveu encarar a vida da maneira mais triste possível.

 

E eu estava ali, uma cidadã de bem, que não sonega seus impostos, que não se envolve em esquemas escusos, em ações desvirtuosas, não pratica corrupção, não comete crimes, trabalha honestamente, porém, desamparada por uma sociedade e por um governo que não exercem suas obrigações.

 

Senti os piores sentimentos, de ódio a um medo infernal, o qual anda me perseguindo até hoje. Pensei, depois dos eternos segundos da arma posicionada sob a cabeça, o que levaria uma criatura como aquela cometer tal atrocidade contra alguém que nem mesmo conhece.

 

Sem dúvida, cometerá outros tantos crimes, até piores, e, por mais dolorido que seja verbalizar, não terá justiça, não terá acertos de contas com a sociedade. Talvez, se acertará com a vida, e ela não costuma ser uma "boa samaritana." A impunidade corre e dança na nossa cara, ri de nossas condutas e de nossa miséria e justiça inoperante.

 

A senhora justiça anda sem forças para tomar conta de si mesma e é incapaz de abraçar seus cidadãos. Está doente, em agonia, à beira de seu próprio precipício. E sabemos disso, inclusive os marginais, que se valem de sua falência, bem como a da segurança, da política, da verdade, da sociedade, da honestidade.

 

Senti, legitimamente, a banalização da barbárie, tantas vezes vislumbrada em notícias de jornais e comentários nas ruas. Neste momento, me vi abandonada, à mercê da vida e de sua falta de sorte, porque é o que nos tem sido dada.

 

Passei a questionar, com muito mais veemência, sobre o porte de armas e ações mais eficazes contra marginais que nos roubam nas ruas, nas casas, deflagram nossas famílias, retiram de nós nossa esperança e nos matam.

 

Também, sei que Grandes marginais se alimentam de propinas, impostos, esquemas fraudulentos, da honestidade alheia para manterem seu egoísmo, sua decadente e suja forma de poder. São ladrões da vida humana, roubam nossos sonhos, trabalho, nossa moral e nosso ideal de vida plena e igualitária.

 

Não há diferença entre aquele que me assaltou e aquele de gravata, que, pomposamente, sobe à tribuna e se enche de discurso, podre e vazio, e cospe em nós   toda a forma de impunidade.

 

Eu mesma estou vazia de perspectivas e esperanças de que algo irá mudar. Estou ridicularizando meu discurso de que haverá primaveras para o próximo tempo, de que acordaremos de um sono cansado, de uma vida oprimida e desigual, e tudo será diferente.

 

Não há Estado, lei, justiça, moral e verdade que nos abracem. Caminhamos no deserto, sem oásis e cidade, e nem sabemos para onde ir. Estamos no desamparo e na angústia, sem impressão de, pelo menos, uma rasa felicidade. E seguimos, mais do que nunca, sozinhos, sem rotas e bússolas, na dureza dos dias sem poesia.


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